Visão do Direito

Visão do Direito: Como o STJ revoga seus próprios precedentes vinculantes

"A força vinculante dos precedentes faz com que milhares de processos e condutas se orientem por eles. Alterá-los, portanto, só se justifica diante de fundamentos sólidos e transparentes"

Guilherme Veiga, doutorando em direito constitucional (CEUB), mestre em direito (UNICAP), especialista pela Università di Pisa (Itália) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), membro do Instituto de Advogados do Distrito Federal ( IADF ) -  (crédito:  Divulgação)
Guilherme Veiga, doutorando em direito constitucional (CEUB), mestre em direito (UNICAP), especialista pela Università di Pisa (Itália) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), membro do Instituto de Advogados do Distrito Federal ( IADF ) - (crédito: Divulgação)

Por Guilherme Veiga* — O direito não é estático. As transformações sociais, econômicas e culturais exigem constante atualização das interpretações jurídicas. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável por uniformizar a interpretação da lei federal, em muitas situações precisa rever e até revogar seus próprios precedentes quando o tempo ou a realidade os tornam inadequados.

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Essa superação do precedente vinculante é um mecanismo que garante a coerência do sistema jurídico sem engessá-lo. Afinal, a força vinculante dos precedentes faz com que milhares de processos e condutas se orientem por eles. Alterá-los, portanto, só se justifica diante de fundamentos sólidos e transparentes.

 Por que revisar precedentes?

 A superação de precedentes é necessária para evitar injustiças e assegurar que o direito acompanhe as mudanças da sociedade. Um precedente pode ser superado totalmente, quando toda a tese jurídica é substituída; ou parcialmente, quando apenas parte dela é revogada e superada. Essa revisão precisa ser fundamentada e respeitar o princípio da segurança jurídica, previsto na Constituição e no Código de Processo Civil.

 A revisão não é uma simples "mudança de opinião" judicial. Ela exige que o tribunal demonstre, com base em novos fatos, leis ou valores sociais, que a aplicação do precedente anterior se tornou incompatível com a realidade.

Como o STJ faz isso?

O Regimento Interno do STJ (RISTJ) prevê um procedimento específico para revisar ou adequar entendimentos firmados em recursos repetitivos. Os artigos 256-S a 256-V do RISTJ regulam essa matéria, delimitando quem pode propor a revisão e como ela deve ocorrer metodologicamente.

A proposta de revisão pode ser apresentada por um ministro do próprio órgão julgador ou pelo Ministério Público Federal (MPF) que atue junto ao STJ. Advogados e partes não detêm legitimidade para propor a revisão de precedentes vinculantes. Uma limitação que restringe a participação social na atualização dos precedentes. O presidente da Seção do STJ também pode propor a revisão quando for necessário adequar o entendimento da Corte a decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal, seja em repercussão geral, seja em ações de controle concentrado, seja súmulas vinculantes.

Exemplos e mecanismos

A revisão pode ocorrer nos próprios autos do processo em que o precedente foi criado, sempre que ele ainda estiver em tramitação no STJ. Nesses casos, o relator original é o responsável por conduzir o novo julgamento.

Quando o processo original já foi encerrado, a revisão pode ser feita por meio de questão de ordem, que é um procedimento autônomo, proposto por um ministro ou pelo MPF, independentemente de haver processo em curso. Criticamos esse procedimento porque o STJ somente pode atuar em casos concretos, o que deveria impedir a possibilidade de revisão ou superação de precedentes sem um caso específico e vinculado, ou seja, sem um caso concreto. 

Porém foi o que ocorreu no caso emblemático da Petição nº 12344/DF, relatada pelo ministro Og Fernandes, que não havia processo vinculado. Na ocasião, o STJ revisou várias teses e súmulas sobre juros e honorários em desapropriações, após o STF julgar a ADI 2332.

Transparência e segurança

As revisões de precedentes seguem o mesmo rito dos julgamentos de recursos repetitivos: o Ministério Público e os amicus curiae são ouvidos, e os advogados podem sustentar oralmente. Assim, o STJ garante que a revisão de um precedente, que impacta milhares de processos, ocorra com ampla participação e publicidade. Por fim, após o julgamento, o novo entendimento é comunicado aos tribunais de todo o país, substituindo a tese anterior e orientando as futuras decisões.

Um sistema que evolui

A experiência do STJ mostra que é possível conciliar estabilidade e dinamismo. O sistema de precedentes não é uma prisão para o direito, mas um instrumento de coerência que deve se adaptar às transformações sociais.

Ao revisar seus próprios entendimentos, o STJ reafirma que o respeito à segurança jurídica não significa imobilismo, e que o verdadeiro papel dos precedentes é servir à justiça.

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), membro do Instituto de Advogados do Distrito Federal (IADF)*

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Por Opinião
postado em 30/10/2025 03:00
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