
Por Marcela Cunha Guimarães* — Que efeitos o Código de Defesa dos Contribuintes pode trazer para empresas classificadas como devedoras contumazes?
Considera-se devedor contumaz a empresa que, em processo administrativo com direito a duplo grau de defesa, apresente débitos inscritos em dívida ativa acima dos limites fixados por cada ente federativo — no caso da União, dívidas superiores a R$ 15 milhões por mais de um ano ou débitos declarados e não pagos acima de R$ 5 milhões em seis períodos de apuração — e que tenha sido comprovada, em decisão definitiva, a prática de condutas estruturadas para fraudar o Fisco. Entre elas estão ilícitos, como a falsificação de documentos e a emissão de notas fiscais fictícias, bem como a simulação ou dissimulação de atos e negócios jurídicos destinados a beneficiar terceiros em prejuízo da arrecadação, incluindo sucessões empresariais simuladas, blindagem patrimonial e o uso de interpostas pessoas para ocultar patrimônio e o real responsável.
Uma vez caracterizada essa condição, o devedor contumaz passa a sofrer sanções severas, entre elas: impedimento de usufruir de benefícios ou incentivos fiscais; restrição a parcelamentos e programas de anistia; vedação ao uso de créditos de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL; proibição de propor ou manter recuperação judicial, podendo ter a falência requerida pela Fazenda Pública; e, em casos de reiteração, até a baixa compulsória do CNPJ.
O efeito prático é a exclusão do mercado formal, já que tais empresas ficam impossibilitadas de acessar mecanismos usuais de negociação ou reestruturação de dívidas.
O ponto crítico, entretanto, é que, embora o projeto avance na repressão a condutas fraudulentas, ele pouco inovou em criar contrapesos efetivos para proteger os contribuintes regulares contra abusos da Administração Tributária. Diferentemente do Código de Defesa do Consumidor, que estruturou instrumentos de proteção coletiva e canais independentes de denúncia, o Código de Defesa do Contribuinte não prevê mecanismos equivalentes. O risco, portanto, é que, sob o rótulo de uma legislação de defesa, tenhamos um diploma que fortalece ainda mais os poderes do Fisco, sem oferecer garantias concretas a quem paga corretamente seus tributos.
Assim, os efeitos do Código podem ser vistos em duas direções. Para o mercado, há uma sinalização positiva de maior justiça concorrencial, ao coibir empresas que se beneficiam de práticas ilícitas. Para as empresas, porém, permanece o alerta: além das sanções duras contra o devedor contumaz, o projeto deixa em aberto situações que podem aumentar a insegurança jurídica e a vulnerabilidade dos contribuintes regulares, que continuam sem instrumentos efetivos para se defender de abusos estatais.
Doutora, especialista em direito tributário no escritório Marcela Guimarães Sociedade de Advogados*
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