
Desde 8 de janeiro de 2023, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se uniram e seguiram em harmonia com discurso uníssono em defesa da democracia. Essa rocha estilhaçou com o longo voto do ministro Luiz Fux na denúncia contra o núcleo crucial da trama golpista. Depois de dez horas de explanação, Fux absolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro de todas as acusações feitas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, confirmadas pelo relator, Alexandre de Moraes, e pelo ministro Flávio Dino.
Para Fux, a denúncia é inconsistente, não apresenta provas e não há como colocar nas costas de Bolsonaro uma tentativa de golpe — que, segundo ele, ocorreu, já que condenou o ajudante de ordens do então presidente Mauro Cid, delator dos crimes. O ministro disse ainda que Bolsonaro não tinha o dever de desmobilizar os manifestantes acampados na frente do QG do Exército em Brasília que acabaram invadindo e depredando os prédios na Praça dos Três Poderes. Além disso, não há provas, segundo ele, de que o então presidente tenha tomado conhecimento do plano intitulado "Punhal Verde Amarelo", que tratava do assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes.
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Fux ainda disse que Bolsonaro agiu de boa-fé nas suas críticas sobre as urnas eletrônicas. Numa sucessão de argumentos pela nulidade do processo, por incompetência do STF para apreciar a ação penal e por cerceamento da defesa, Fux virou o ídolo dos defensores de Bolsonaro nas redes sociais e estava ontem em segundo nos trending topics do X — só perdendo para a notícia do assassinato do ativista político Charlie Kirk, aliado do presidente Donald Trump, baleado em atentado nos Estados Unidos.
Com as hashtags "FuxAnulaTudo ou #fuxhonraatoga, o ministro deu combustível para os defensores de Bolsonaro e, acima de tudo, para os inimigos do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, que está sendo sancionado pelo governo Trump por rigor no julgamento do ex-presidente. Ao votar nesta terça-feira, Moraes se manifestou duramente contra a tentativa de golpe: "Não há nenhuma dúvida da ocorrência de reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas, entre outras pessoas, para discutir quebra da normalidade constitucional. Esse é um fato incontroverso".
Flávio Dino seguiu o mesmo entendimento, só divergindo quanto à participação de três réus, que considerou menos importante: do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e do general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Dino, aliás, foi uma voz firme contra a anistia dos condenados e réus da trama golpista. "A Constituição define: a ação de grupos armados civis ou militares contra o Estado democrático e a ordem constitucional é inafiançável e insuscetível de anistia", afirmou Dino.
Apesar da manifestação de Flávio Dino, o voto de Fux repercutiu entre os defensores da anistia, principalmente depois que o magistrado afirmou que não cabe ao STF o papel de inquisidor ou investigador. "Não cabe a nenhum juiz assumir o papel de inquisidor, vasculhar mais de 70 milhões de megabytes de documentos à procura das provas que se encaixem na retórica acusatória e nem corrigir contradições internas encontradas na sua versão dos acontecimentos, ainda que nós tenhamos no gabinete juízes e instrutores", ressaltou.
Num dos momentos que vão marcar o julgamento, Fux afirmou: "Ninguém pode ser punido simplesmente por ser merecedor de pena de acordo com convicções morais, porque praticou uma ordinarice ou um fato repugnante, porque é um canalha, porque é um patife. Só pode ser punido quando tiver preenchido os requisitos daquela punição descritos na lei penal."
O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol, que esteve no carro de som no 7 de Setembro em São Paulo, defendendo a anistia, postou em suas redes sociais: "In Fux we Trust". Uma referência a uma das mensagens que trocou com colegas na época da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.
O voto de Fux foi um dia de glória para bolsonaristas, mas o julgamento continua, com os votos da ministra Cármen Lúcia e do presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin. Basta apenas mais uma concordância com Alexandre de Moraes para que todos os denunciados do núcleo crucial sejam condenados. Por mais que o voto contudente de Fux não estivesse no script dos ministros do STF, a chance de que Cármen ou Zanin discordem da responsabilidade de Bolsonaro na trama golpista é pequena.
Mas se Bolsonaro e os demais réus absolvidos por Fux obtiverem mais um voto a favor terão a chance de estender o processo com a interposição de embargos infringentes para tentar rever um ou outro ponto. É nisso que os advogados apostam — e no perdão do Congresso.