
Por João Paulo Schoucair* e Fábio Lopes Veras** — Criado pela Emenda Constitucional nº 45, o CNJ foi incorporado ao Poder Judiciário como um órgão de "controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes". Ele tem a importante missão de zelar pela autonomia do Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências para o efetivo alcance das disposições legais e regulamentares.
Compete ao CNJ atuar, de ofício ou por provocação, pela observância da legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Judiciário, podendo desconstituí-los ou revê-los; processar reclamações disciplinares; rever processos disciplinares de juízes e membros de tribunais; além de outras atribuições para o bom exercício das funções judiciais.
Em outro vértice, é mister salientar que relevante é a função catalisadora de políticas judiciais pelo CNJ, podendo-se ilustrar, por exemplo, a implementação de metas para exame de processos, a proteção de direitos e garantias fundamentais, a implementação de políticas de quotas para mulheres, negros ou indígenas, bem como a vedação de nepotismo para assunção de cargos nos seus quadros, entre outras.
Em relação à garantia da liberdade de expressão, o CNJ trabalha na fiscalização do cumprimento dos preceitos constitucionais pelos tribunais. Como órgão de controle externo, sua atuação envolve a análise de casos em que essa liberdade é alegadamente violada, seja por meio de decisões judiciais que possam restringir indevidamente a manifestação do pensamento, seja por práticas que possam comprometer a liberdade de imprensa e o acesso à informação.
Nesse ponto específico, o CNJ tem voltado especial atenção para o tratamento da liberdade de expressão, tendo editado a Resolução nº 305/2019, para estabelecer parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário, ou seja, diretrizes éticas a respeito do uso das redes sociais por magistrados expedidas pela Comissão Ibero-Americana de Ética Judicial e pela Rede Global de Integridade Judicial.
Não se pode perder de foco que o CNJ criou, também, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa, objeto da Resolução nº 163/2012. Os trabalhos realizados visam não só conhecer a atuação do Poder Judiciário, mas também, propor medidas e políticas públicas que possam colaborar com o avanço doutrinário, normativo e jurisprudencial sobre a melhores formas de abordagem desse relevante tema.
Busca-se, destarte, promover debates de valorização da liberdade de expressão mesmo no contexto da judicialização; além de promover a articulação entre os setores da imprensa e do Poder Judiciário, em prol da defesa da liberdade de expressão e da transparência na gestão pública.
Por tais considerações, não pode o CNJ se furtar de sindicar o comportamento de magistrado que, em suas manifestações, publicadas na rede mundial de computadores, dirige mais que uma opinião crítica sobre determinado tema ou assunto de interesse público. Tais mensagens, em verdade, suscitam uma visão de inidoneidade na conduta de determinado agente público.
Entrementes, a aludida postura possui contornos diversos e distintos daquelas cujo controle é objetivado pela Resolução nº 305/2019 do CNJ. Enquanto a referida norma apresenta parâmetros para uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário (WhatsApp, Facebooke etc.), as ações aqui tratadas decorrem de publicações veiculadas em canais oficiais da imprensa digital, com ampla divulgação nacional.
Por sua vez, nos termos da Resolução CNJ nº 305/2019, a publicização de declarações de cunho depreciativo "com temerário desinteresse por sua veracidade ou falsidade", imputando suposta prática de condutas inidôneas por agente público que é membro do Poder Judiciário, não pode passar ilesa de punição, esse é o caso de magistrado que resolve, deliberadamente, emitir juízo de valor, fora dos autos e na rede mundial de computadores, sobre decisão de outro julgador.
Reforce-se que, no exame de semelhantes fatos, o STF tem assentado o entendimento no sentido de que a liberdade de expressão não pode ser invocada para excluir a possibilidade de responsabilização disciplinar de agentes públicos por suas declarações.
Merece registro, ademais, o fato de que, no âmbito internacional, a CIDH tem voltado atenção para a liberdade de expressão dos magistrados, sendo certo que, em razão da relevância do cargo perante e do seu peso perante a sociedade, os juízes devem agir "em todos os momentos de forma a preservar a dignidade de suas funções jurisdicionais e a imparcialidade e independência do Judiciário".
Ao fim, não se pode olvidar que não está aqui a se defender que os magistrados não gozam de liberdade de expressão, mas sim, que eles devem ter a cautela necessária, para não descredibilizar a relevante função de julgar, transmudando-se de julgadores para supostos comentaristas judiciais.
Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)*
Assessor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)**
Saiba Mais