
Amanhã, 5 de setembro, o Brasil celebra o Dia da Raça, data criada para valorizar a diversidade cultural do povo brasileiro, formada pela miscigenação entre indígenas, negros, brancos e imigrantes, além de reforçar a importância do respeito às diferenças. Mais do que simbólica, a data é um chamado à conscientização sobre a tolerância e à construção de uma sociedade inclusiva e harmoniosa, diante da persistência do racismo e da intolerância.
- Leia também: Fraternidade e inclusão: uma virada de paradigma nos direitos das pessoas com deficiência
Apesar dos avanços, os números revelam o crescimento dos crimes raciais no país. Em 2024, o Brasil registrou 18.200 casos de injúria racial, representando um aumento de 41,4% em relação aos 12.813 casos registrados em 2023. O número de ocorrências de racismo também cresceu, passando de 14.919 para 18.923 no mesmo período, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esses dados evidenciam a permanência do preconceito estrutural e a necessidade de ações efetivas para combater a discriminação.
Para o advogado criminalista e professor de direito processual penal Osmar Callegari, esse crescimento está ligado a dois fatores centrais: a maior conscientização das vítimas, que passaram a registrar as ocorrências, e a naturalização de discursos de ódio tanto nas redes sociais quanto em ambientes presenciais. "Ou seja, não se trata apenas de um aumento de registros, mas da revelação de um problema estrutural que sempre existiu e agora aparece com mais clareza", ressalta.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Atualmente, as redes sociais concentram cerca de 60% dos casos registrados, conforme levantamento da SaferNet Brasil, mostrando que o ambiente digital amplifica práticas discriminatórias. O advogado explica que as redes funcionam como um megafone, dando voz a grupos racistas que antes se limitavam a círculos privados. "O anonimato, a ausência de filtros éticos e o alcance massivo criam um ambiente propício para a propagação da intolerância. É um espaço onde o preconceito se mascara de opinião e encontra audiência instantânea", afirma o especialista.
Entre janeiro e novembro de 2024, o Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, recebeu mais de 5,2 mil relatos de violações envolvendo racismo e injúria racial, abrangendo residências, escolas e ambientes virtuais. Para Callegari, isso revela que o problema não é isolado: "O racismo atravessa o lar, a sala de aula e os espaços digitais. Crianças, adolescentes e adultos convivem diariamente com práticas discriminatórias, do bullying escolar às ofensas em grupos de mensagens", destaca.
- Leia também: Multa automática e mais poder ao trabalhador: o que muda nas férias com a nova lei trabalhista
Na visão do advogado, o Dia da Raça deve ser entendido como um marco pedagógico. "Não é apenas uma data simbólica, mas uma oportunidade de repensar a história do Brasil, reconhecer a contribuição dos povos negros e indígenas e reafirmar o respeito à diversidade como pilar democrático", afirma.
Um avanço importante, segundo ele, foi a Lei 14.532/23, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo. A norma alterou o Código Penal e a Lei nº 7.716/89, estabelecendo pena de dois a cinco anos de reclusão, além de multa, e garantindo que a vítima tenha acompanhamento jurídico em todos os atos processuais.
"A lei trouxe rigor ao tratar a injúria racial como crime contra a coletividade, imprescritível e com maior poder de investigação do Estado. A mensagem é clara: ofender alguém por sua cor ou origem não é mais 'mero xingamento', é crime", ressalta o especialista.
No entanto, ele destaca que a legislação deve ser acompanhada de conscientização social. "Não basta apenas punir; é necessário que a sociedade se mobilize para promover o respeito às diferenças e combater o preconceito estrutural", explica.
Callegari afirma que a lei atinge a conduta, mas não elimina a mentalidade, pois o racismo estrutural está presente nas relações sociais, na desigualdade de acesso a oportunidades e na perpetuação de estereótipos. "A conscientização social é a única ferramenta capaz de alterar esse cenário, porque ensina desde cedo que diversidade é riqueza e que preconceito não pode ser tolerado", declara.
À reportagem, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou que, para identificar um crime racial no Brasil, é preciso avaliar a intenção do ofensor. Se a ação visa ofender a dignidade de uma pessoa específica com palavras ou gestos racistas, trata-se de injúria racial; se atinge um grupo ou coletividade, impedindo-o de exercer algum direito com base na raça, o crime é de racismo. Todos os crimes estão descritos na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Esses delitos são inafiançáveis e imprescritíveis.
O órgão ressalta que é necessário que as pessoas denunciem esses crimes, seja por meio de registro de ocorrência, seja informando diretamente ao MP por sua Ouvidoria. Também é imprescindível que sejam ampliadas políticas públicas de equidade racial e a conscientização da população sobre o racismo, para que, de fato, a sociedade se torne livre de discriminações.
De acordo com Nauê Bernardo Azevedo, diretor de Igualdade Racial da OAB-DF, ainda existem muitos pontos que precisam avançar para que a legislação atual, que combate o racismo e a injúria racial, funcione com efetividade. Ele explica que, apesar do aumento na aplicação de penas para quem comete esse tipo de crime, ainda existe uma grande cifra oculta de casos. Isso ocorre principalmente devido à resistência de alguns órgãos do sistema de justiça criminal em adotar mecanismos capazes de receber e processar essas denúncias de forma adequada.
Na percepção do advogado, um dos principais desafios para a efetiva aplicação das leis que punem esses crimes está no fato de que o racismo também pode se manifestar na forma como integrantes do sistema de justiça criminal enxergam a prática. Quando prevalece a visão de que se trata de uma ofensa menor ou não suficientemente grave para justificar a aplicação da lei, cria uma barreira à sua efetividade. "Por isso, a correta implementação da norma depende de um processo contínuo de letramento e sensibilização dos agentes responsáveis", declara.
Azevedo destaca ainda que a advocacia exerce um papel fundamental na luta pela igualdade racial, pois é a principal responsável por levar os casos ao Poder Judiciário. Cabem aos advogados e advogadas elaborar as teses a serem apreciadas, bem como trabalhar a jurisprudência e os precedentes. Por isso, é essencial que toda a classe esteja preparada para identificar e lidar adequadamente com esse tipo de situação.