
Por Livia Ribeiro Alves dos Santos* — Vivemos tempos em que o envelhecimento da população brasileira nos impõe novos olhares sobre os vínculos familiares. Um deles diz respeito à responsabilidade dos filhos pelos pais idosos, especialmente quando esses se encontram em condição de fragilidade emocional, física ou até mesmo financeira. Em meio a essa circunstância, ganha importância um tema que, embora bastante sensível, é cada vez mais recorrente no Poder Judiciário: filhos que abandonam seus genitores.
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A legislação brasileira é clara quando diz respeito aos direitos dos idosos: os filhos maiores têm o dever de amparar seus genitores. Essa obrigação está expressa no artigo 229, da Constituição, nos artigos 1.694 e 1.696, do Código Civil, e do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) que, por sua vez, reforça que a família, a sociedade e o Estado devem atuar conjuntamente para assegurar ao idoso, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais à vida, à saúde, ao respeito e à dignidade. Mas o que acontece quando esse dever é ignorado pelos filhos?
O Poder Judiciário tem reconhecido que o abandono afetivo e material de idosos configura violação de dever legal e moral/afetivo. Há casos em que filhos foram condenados ao pagamento de pensão alimentícia a genitores idosos, como forma de compensar a ausência de assistência e garantir a subsistência material desses familiares. Por outro lado, há também decisões que afastam essa obrigação. É o caso em que o pai ou a mãe, durante a vida, não exerceram minimamente o papel parental.
Um exemplo emblemático é o julgamento ocorrido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que negou alimentos a um pai que havia comprovadamente abandonado os filhos desde a infância. Para os magistrados, "a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória".
Em outra decisão, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), uma idosa acamada e em situação de vulnerabilidade social foi acolhida em instituição de acolhimento e longa permanência, após constatação de abandono por parte da filha. O Tribunal estadual ressaltou que, diante da omissão familiar, caberia ao Estado agir para proteger a dignidade da pessoa idosa, mesmo que isso signifique a judicialização da assistência.
O dever de cuidado dos filhos em relação aos pais idosos é claro e inafastável. A Constituição estabelece que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Quando os filhos se omitem diante da necessidade de seus pais idosos, seja no aspecto afetivo, seja no campo material, devem ser responsabilizados judicialmente. O envelhecimento não retira da pessoa sua dignidade, ao contrário, exige uma atuação mais comprometida da família e do Estado para assegurar-lhe uma vida com dignidade, qualidade e respeito. O abandono de idosos não é apenas uma injustiça silenciosa, mas uma violação do dever legal de cuidado. A atuação do Poder Judiciário representa um avanço na efetivação dos direitos fundamentais da pessoa idosa. E, mais do que isso, evidencia que o direito pode ser um instrumento de reparação e proteção da dignidade humana.
Advogada da área de direito de família e sucessões do escritório Suzana Cremasco Advocacia*
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