
O nome do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi adicionado ontem à lista de indivíduos sancionados pela Lei Magnitsky pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos Estados Unidos (OFAC). A medida é conhecida como uma "pena de morte financeira", já que implica consequências como bloqueio de contas bancárias, cancelamento de cartões de crédito e restrições de entrada no país.
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A nota divulgada pelo Departamento do Tesouro norte-americano alega que Moraes teria assumido o papel de "juiz e censor", promovendo detenções arbitrárias em processos judiciais e violado direitos humanos, inclusive no caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo o secretário do Tesouro, Scott Bessent, Moraes seria responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias e processos politicamente motivados, incluindo ações contra o ex-presidente.
De acordo com João Carlos Souto, professor de direito constitucional e presidente do Instituto Brasil-Estados Unidos de Direito Comparado, a Magnitsky Act surgiu como uma reação do governo norte-americano à corrupção generalizada na Rússia. Com o tempo, porém, transformou-se em uma das principais ferramentas de sanção unilateral dos Estados Unidos. "A lei leva esse nome em homenagem a Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção profundamente enraizado no Estado russo e acabou morrendo na prisão", explica Souto.
A legislação foi aprovada durante o governo Obama, em 2012, após forte pressão de Bill Browder, um grande investidor americano na Rússia. "Sergei Magnitsky trabalhava para as empresas de Browder, que foi o principal articulador da proposta e convenceu o governo Obama a adotar a medida como forma de punir e desestimular a corrupção no país", acrescenta o professor.
Em 2016, ainda durante o governo Obama, a legislação foi significativamente expandida com a aprovação da Lei Magnitsky Global (Global Magnitsky Human Rights Accountability Act). A nova versão estendeu a possibilidade de aplicação de sanções a indivíduos e entidades de qualquer país envolvidos em graves violações de direitos humanos, como execuções extrajudiciais, tortura e repressão política, ou em casos relevantes de corrupção sistêmica.
Já durante o governo Trump, em 2017, a legislação foi implementada por meio do Decreto Executivo 13.818, com validade inicial de seis anos. Em abril de 2022, o Congresso norte-americano tornou a lei permanente e ampliou suas bases legais, consolidando-a como um dos principais instrumentos globais de sanção unilateral dos Estados Unidos.
Embora a lei já previsse um escopo abrangente, o decreto executivo editado por Trump ampliou ainda mais os critérios de designação. A norma passou a permitir a aplicação de sanções contra qualquer pessoa considerada "envolvida direta ou indiretamente" em graves abusos de direitos humanos, mesmo sem a identificação de uma vítima específica ou a exigência de comprovação judicial prévia. Além disso, o texto não define com precisão o que constitui um "abuso sério", o que abre margem para interpretações amplas e, potencialmente, influenciadas por motivações políticas.
Segundo Souto, a Lei Magnitsky se diferencia de outras legislações similares porque os Estados Unidos detêm a moeda de referência global e são a maior potência econômica do mundo, o que amplia significativamente o impacto das sanções. "Ela tem um alcance global e torna a vida muito difícil para aqueles que são efetivamente punidos", afirma.
"No entanto, ela foi pensada para punir corruptos e indivíduos que atentam contra a liberdade — pessoas envolvidas em grupos de extermínio ou práticas como limpeza étnica, por exemplo. Mas não para isso. Nunca houve esse uso antes, e a lei não foi concebida com essa finalidade", completa.
Na visão do especialista, a sanção representa um ataque direto à mais alta instância do Judiciário brasileiro, que tem assegurado, de maneira consistente, o direito à ampla defesa dos acusados. "O Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura cautelosa, inclusive no que diz respeito à decretação de prisões preventivas, reservando esse recurso apenas para situações absolutamente excepcionais", afirma.
Ainda segundo o professor, o Supremo tem atuado com responsabilidade e respeito ao devido processo legal, em decisões que não são exclusivas do ministro Alexandre de Moraes, mas resultado de deliberações colegiadas. "Esses casos vêm sendo conduzidos de forma correta e exemplar, dignos de reconhecimento por parte de todos aqueles que compreendem como um processo deve ser conduzido", ressalta.
Recurso
O especialista em direito constitucional explica que existe, sim, a possibilidade de recorrer da decisão imposta pela Magnitsky Act. Embora os casos sejam raros, as cortes americanas aceitam julgar esse tipo de contestação sem maiores obstáculos.
"Creio que a Corte Distrital Federal, sediada em Washington, talvez seja a mais apropriada para esse tipo de ação", afirma Souto. Ele acredita que o ministro Alexandre de Moraes teria condições de se defender, representado pelo governo brasileiro. "Deixo claro que não falo em nome da AGU, mas entendo que o Estado brasileiro poderia, sim, contestar a sanção nos tribunais dos Estados Unidos."
Souto avalia que há chances, ainda que modestas, de sucesso. "Não diria que são grandes ou razoáveis, mas existe uma chance real de vitória, sobretudo porque é evidente o vício de finalidade na aplicação da medida. A sanção causa prejuízos, como ocorre com qualquer outro punido por essa lei, mas, no caso específico dele, não há justificativa plausível", declara.
Principais sanções
- Congelamento de bens e ativos: Todos os bens, contas bancárias, propriedades ou qualquer ativo financeiro sob jurisdição dos EUA são bloqueados. O sancionado perde o acesso a qualquer recurso financeiro em território americano.
- Proibição de entrada nos Estados Unidos: A pessoa sancionada é impedida de entrar nos EUA, seja para turismo, negócios ,estudos ou qualquer outro motivo. Vistos são cancelados e novos pedidos negados.
- Proibição de transações com cidadãos ou empresas americanas: Empresas e cidadãos dos EUA são proibidos de realizar qualquer tipo de transação ou negócio com os indivíduos ou entidades sancionados, o que isola economicamente o alvo da sanção.
- Reputação e isolamento internacional: Embora não seja uma sanção formal, a inclusão em listas da Magnitsky Act tem forte impacto reputacional. Outros países aliados dos EUA (como Reino Unido, Canadá e membros da União Europeia, que possuem versões próprias da legislação) frequentemente acompanham as sanções, ampliando o isolamento político e financeiro do sancionado.