
Por Luis Carlos Alcoforado* — A democracia, fruto principal do liberalismo, é regime político que exige radicalidade e radicalismo, porque, na sua essência ou razão de ser, no núcleo de sua força se acha a liberdade, notadamente a que exprime o direito à livre manifestação do pensamento, como condição existencial do homem. Permite que os homens manifestem toda e qualquer opinião, inclusive, contra as instituições, como meio legítimo de discutir a sua funcionalidade política e constitucional.
As instituições devem cumprir seus deveres, entre os quais o de respeitar as posições ideológicas que, inclusive, desafiem o dogmatismo da lei, também suscetível de críticas, ainda que acerbas. O pensamento, na democracia, não pertence ao Estado nem ao governo, mas ao cidadão que, mesmo em excessos repudiáveis, tem o direito legítimo e legal, amparado pela Constituição da República, de criticar e, mesmo desqualificar as instituições, sob a proteção da livre manifestação do pensamento, insuscetível de controle ou censura.
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Os desvios no exercício da livre manifestação do pensamento não se sujeitam à inibição do Estado, mas, evidentemente, são alvejados por pretensões a direitos reparatórios, com justo ressarcimento ao patrimônio moral ou material, quando lesado por excesso refugado pelo regime jurídico. A exposição do pensamento é categoria jurídica afinada com o espírito liberal que permeia a democracia de valores inconfundíveis, que pertencem ao indivíduo ou à coletividade, como liberdade conquistada contra o casuísmo ou a arbitrariedade, violências cravadas por abuso de poder, sob mimetismo de desviada competência ou atributo constitucional.
Em momento algum, a Constituição tolera que se promova a capitulação da liberdade de expressão ou do pensamento, ainda que sob jurisdição da mais alta Corte de Justiça do Brasil. O pretexto de ameaça às instituições não passa de raquitismo jurídico, divorciado do espírito democrático que, expressamente agigantado na Constituição, como conquista do povo brasileiro, cuja liberdade de pensamento fora tolhida nas ditaduras varguista e militar.
É traumático para a democracia que manifestação do pensamento, mesmo quando extrapola os limites da civilidade e urbanidade, comporte punição na modalidade de pena restritiva de liberdade, como sanção penal inspirada em modelo e regime jurídicos típicos de estado de exceção.
A truculência verbal não passa de violência aos princípios da educação, plenamente sujeita a reparações e indenizações no plano civil, sem engajamento no campo do direito penal sancionatório, exceto nos casos de crimes contra a honra. Não se pode estreitar ou limitar, sob a provocação da subjetividade, as condições segundo as quais se tolera ou se aceita a livre manifestação do pensamento.
O pensamento e a ideia são categorias que tocam os espíritos livres, aos quais se licencia toda forma de manifestação ou exteriorização, sem risco de censura, ainda que traga dolorosa insatisfação por força de seus efeitos nefastos.
Calibrar os limites da liberdade de expressão ou pensamento é truque para cercear a democracia. Como guardião da Constituição, impõe-se ao Supremo Tribunal Federal expressar irrestrita fidelidade à vontade do constituinte no tratamento ao princípio da liberdade de manifestação do pensamento, ao invés de construir dicção jurisprudencial, perigosa e atrevida, se prevalentes os preceitos constitucionais.
Para proteger-se, o STF se expõe numa sinuosa edificação de entendimento jurídico, completamente avesso e conflitante com a Constituição, que salvaguarda a livre manifestação do pensamento. A construção gelatinosa estimula o surgimento de novas e graves decisões, em toda jurisdição brasileira, as quais venham a sacrificar o princípio da livre manifestação do pensamento, premissa que permite a conclusão de que a decisão do STF carece de pedagogia e profilaxia.
Com a Constituição de 1988, incorporou-se ao patrimônio do cidadão o direito intocável à livre manifestação do pensamento, por força da soberania popular, a mais legítima fonte do Poder, motivo por que jamais pode ser mutilado, limitado, banido ou afrontado, sob pena de gritante inconstitucionalidade.
A liberdade de expressão não comporta as rédeas controladoras dos agentes do Estado, manejadas segundo a compreensão e interesse da circunstância, haja vista que se trata de direito definitivo e pétreo, enquanto o Brasil tiver hígida a Constituição resultado da Assembleia Nacional Constituinte, a qual nasceu para que soberania popular fosse respeitada.
Cabe lembrar que o Brasil ainda vive sob a égide do Estado Democrático de Direito, recuperado para dar longevidade à liberdade, a mais sincera condição de existência de um povo que pode se manifestar sem ser cerceado ou castigado com instrumentos inadequados na democracia. Observância à constitucionalidade dos atos do Estado é direito da cidadania!
Mitigar ou atentar contra a livre manifestação do pensamento significa sepultar a liberdade e mutilar a Constituição, com desprezo ao Estado Democrático de Direito. Mais: implode a democracia, silencia o povo e impõe regime seletivo para punir adversários, pelo simples direito de falar, contestar, criticar, denunciar...
O STF adotou uma Constituição que já não é da República e da Assembleia Nacional Constituinte, expressão suprema da soberania popular, mas, certamente, pessoalíssima. No entanto, o STF, que já foi de todos os brasileiros, mesmo com as defectividades de prestações jurisprudenciais, conflitos de interesse, mutabilidade de seus antecedentes, preferiu instrumentalizar, politicamente, sem a necessária imparcialidade para reafirmar o direito constitucional, o poder sem freios.
Advogado*
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