
Por Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima* — Em 15 de julho de 2025, o Código Eleitoral brasileiro (Lei nº 4.737/1965) completou 60 anos de existência. Promulgado em pleno regime militar, o texto legal buscava institucionalizar o processo eleitoral, trazendo maior previsibilidade e estrutura às eleições nacionais. Passadas seis décadas, é inegável a importância desse marco normativo, mas também é evidente que o sistema eleitoral brasileiro necessita de atualização para refletir os valores democráticos e os desafios do século XXI.
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O Código Eleitoral surgiu em um momento em que o Brasil buscava consolidar a organização das eleições sob a égide do controle estatal. A promulgação do Código de 1932 já havia representado um avanço relevante com a criação da Justiça Eleitoral, o estabelecimento do voto obrigatório e secreto, e a permissão do voto feminino, mesmo que limitado ao universo de mulheres solteiras ou viúvas e que fossem economicamente ativas.
Mas a edição do Código de 1965 sistematizou e aprofundou os mecanismos de fiscalização, propaganda, alistamento, votação (tonando voto obrigatório para homens e mulheres, apenas limitados pela idade — 18 anos). Mesmo diante do contexto autoritário, a legislação foi crucial para a institucionalização do processo eleitoral, estabelecendo garantias para o livre exercício do voto, e permitiu, anos mais tarde, a redemocratização do país com alguma base normativa sólida.
Muitos dispositivos previstos naquela época permanecem válidos até hoje, inclusive, sendo a espinha dorsal de temas como a propaganda eleitoral, os crimes eleitorais e o processo eleitoral propriamente dito. Contudo, a manutenção de uma legislação redigida há mais de meio século em um país em constante transformação gera, inevitavelmente, anacronismos, contradições e lacunas.
Atualmente, convivemos com uma estrutura eleitoral complexa, formada por um emaranhado de normas esparsas: o Código Eleitoral, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), a Lei da Inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/1990), além de resoluções do TSE e normas constitucionais. E essa fragmentação legislativa dificulta a compreensão e a aplicação uniforme das regras eleitorais, o que compromete a segurança jurídica.
O momento seria oportuno para a aprovação de um novo Código Eleitoral, mais coeso, moderno e democrático. A proposta de um Código unificado já tramita no Congresso Nacional há anos, mas enfrenta resistências políticas, sobretudo por tratar de temas sensíveis, como a maior participação feminina na política, por meio do estabelecimento de percentual mínimo de vagas a serem ocupadas no Legislativo; alterações na "Lei da Ficha Limpa"; regulamentação da propaganda eleitoral na internet e as consequências dos atos abusivos; financiamento eleitoral e fidelidade partidária.
Entre os pontos que demandam urgente revisão estão: a sistematização das regras de propaganda eleitoral à luz das redes sociais e das novas tecnologias de comunicação; o aperfeiçoamento dos mecanismos de combate à desinformação; a revisão do sistema de sanções por condutas vedadas; e, sobretudo, a consolidação das normas em um texto único e claro.
A democracia brasileira avançou significativamente desde 1965, e o Código Eleitoral, apesar de sua importância histórica, já não dá conta das exigências de um sistema eleitoral inclusivo, transparente e eficiente. A modernização da legislação não deve ser vista como ruptura com o passado, mas como reconhecimento de que a democracia é um processo em constante construção — e que exige regras compatíveis com a realidade do presente e as aspirações do futuro.
Revisitar o Código Eleitoral em seus 60 anos é, portanto, não apenas um exercício de memória institucional, mas também um chamado à responsabilidade do legislador para fortalecer as bases do regime democrático brasileiro.
Sócia do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados, especialista em direito eleitoral e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP*
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