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Família Bolsonaro: entre medidas cautelares e bloqueio de bens

A crise diplomática entre Brasil e EUA se intensificou após acusações de interferência estrangeira feitas contra Jair e Eduardo Bolsonaro, levando o STF a impor medidas cautelares por tentativa de obstrução da Justiça e afronta à soberania nacional.

Para evitar suposta possível fuga do país ou asilo em alguma embaixada, Bolsonaro passou a usar tornozeleira eletrônica -  (crédito: Caio Gomez)
Para evitar suposta possível fuga do país ou asilo em alguma embaixada, Bolsonaro passou a usar tornozeleira eletrônica - (crédito: Caio Gomez)

Nas últimas semanas, a família Bolsonaro se viu no centro de uma grave crise internacional. As tensões tiveram início em 9 de julho, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçando impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos.

No comunicado, Trump acusa o Judiciário brasileiro de promover uma "caça às bruxas" contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e exige o fim imediato do processo judicial em curso contra o político brasiliero. Ele afirma ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria emitido "ordens secretas e ilegais de censura" contra as big techs, impondo multas e ameaçando-as com a expulsão do mercado brasileiro. Além disso, critica o que considera uma falta de reciprocidade nas relações comerciais entre os dois países, mencionando "tarifas, políticas e barreiras comerciais não tarifárias do Brasil".

A pressão, no entanto, não surtiu os efeitos esperados. No último sábado, o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de todos os bens móveis e imóveis, contas bancárias e até da chave Pix do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A decisão, relacionada ao inquérito que investiga a atuação do terceiro filho do ex-presidente nos Estados Unidos, ainda não foi confirmada oficialmente pelo Tribunal e permanece sob sigilo. No entanto, na última segunda-feira, Eduardo afirmou em entrevista ao podcast Inteligência Ltda. que teve suas contas bloqueadas por ordem do ministro.

Em 18 de julho, Alexandre de Moraes também determinou a adoção de medidas cautelares contra Jair Bolsonaro, sob acusações de coação, obstrução da Justiça e atentado à Justiça. Para evitar suposta possível fuga do país ou asilo em alguma embaixada, Bolsonaro passou a usar tornozeleira eletrônica. 

A decisão foi fundamentada em relatório da Polícia Federal, segundo o qual Bolsonaro e seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, atuaram, ao longo dos últimos meses, junto a autoridades do governo norte-americano com o objetivo de obter a imposição de sanções contra agentes públicos brasileiros, sob a alegação de perseguição no contexto da Ação Penal (AP) 2.668.

Conforme descrito na decisão, publicada na íntegra, a Procuradoria-Geral da República (PGR) destacou que, desde o início do ano, Eduardo Bolsonaro tem afirmado pública e reiteradamente que busca obter do governo dos Estados Unidos a imposição de sanções contra ministros do STF, membros da PGR e da Polícia Federal. Segundo ele, trata-se de uma "perseguição política" contra si e seu pai, Jair Messias Bolsonaro, denunciado na AP 2.668 como líder de uma organização criminosa voltada à ruptura da ordem democrática.

A investigação indica que Jair Bolsonaro está alinhado a Eduardo Bolsonaro na prática de atos ilícitos e que ambos teriam atuado com o objetivo de criar entraves nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, visando obstruir o regular andamento da Ação Penal nº 2.668.

De acordo com a decisão, as condutas de Jair Bolsonaro revelam atuação dolosa e consciente, em conjunto com seu filho, com o propósito de submeter o funcionamento do STF ao crivo de um Estado estrangeiro por meio de atos hostis e "negociações espúrias e criminosas". Tais ações configurariam clara obstrução à Justiça e tentativa de coagir a Corte no julgamento da referida ação penal.

A investigação também comprovou que Jair Bolsonaro não apenas incitou a tentativa de submeter o STF à influência de um governo estrangeiro,  o que representa uma afronta direta à soberania nacional conforme o documento, como também auxiliou financeiramente Eduardo Bolsonaro nas tratativas ilícitas. Em seu interrogatório na AP 2.668/DF e em depoimento no INQ 4.995/DF, Bolsonaro confessou ter repassado R$ 2 milhões via Pix ao filho em 13 de maio de 2025, quando esse já se encontrava no exterior, envolvido nas atividades investigadas.

O documento ressalta ainda que a "ousadia criminosa" de Jair Bolsonaro chegou ao ponto de, em entrevista coletiva concedida em 17 de julho de 2025, confessar expressamente sua "consciente e voluntária atuação criminosa", ao condicionar o fim das sanções comerciais impostas pelos Estados Unidos à concessão de anistia a ele próprio. Tal postura, segundo o documento, representa uma afronta à soberania nacional, à Constituição Federal e à independência do Poder Judiciário, além de evidenciar uma "permanente intenção criminosa" voltada ao encerramento ilegítimo da análise de sua responsabilidade penal.

Dessa forma, a decisão judicial aplicou medidas cautelares alternativas à prisão com base na Lei 12.403/2011, que permite ao juiz adotar medidas para garantir a ordem pública, o andamento da investigação ou o cumprimento da lei penal. Para isso, a lei exige que as medidas sejam necessárias e adequadas, ou seja, que evitem novos crimes e sejam proporcionais à gravidade do caso e às condições do acusado.

O ministro relator destacou que há risco de danos graves e difíceis de reparar, citando os "gravíssimos crimes contra a soberania nacional e a independência do Judiciário", além de uma campanha criminosa para obstruir a ação penal. A Procuradoria-Geral da República também alertou para o risco concreto de o réu fugir e a necessidade urgente das medidas para garantir o andamento do processo.

Já a Polícia Federal ressaltou que, como os investigados se comunicam de forma tecnológica a partir de diferentes países, a apreensão de celulares e outros dispositivos é essencial para aprofundar a investigação. Apesar de a Constituição garantir a inviolabilidade do domicílio, essa proteção pode ser relativizada em casos excepcionais, quando cumpridos os requisitos legais durante a investigação penal.

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Medidas Cautelares 

  • Monitoramento eletrônico e recolhimento domiciliar: uso obrigatório de tornozeleira eletrônica e permanência em casa das 19h às 6h nos dias úteis, e o dia todo aos fins de semana, feriados e folgas. Deve informar o local de residência para viabilizar o monitoramento, com envio diário de relatório pela Polícia Federal e Seape/DF.

  • Restrição de acesso a representações estrangeiras: está proibido de se aproximar ou entrar em Embaixadas e Consulados de outros países, mantendo uma distância mínima de 200 metros.

  • Proibição de contato com determinadas pessoas: não pode se comunicar com embaixadores, autoridades estrangeiras, nem com outros réus e investigados de seis ações e inquéritos específicos, nem mesmo por intermédio de terceiros.

  • Proibição de uso de redes sociais: não pode utilizar redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros.

  • Busca e apreensão domiciliar: autoridades estão autorizadas a apreender celulares, computadores, tablets, documentos e valores acima de R$ 10 mil nos imóveis ligados ao ex-presidente, além de acessar conteúdo digital (incluindo nuvem) e confiscar bens de alto valor. Pode haver buscas em endereços vizinhos, se necessário.

  • Busca e apreensão pessoal: inclui hotéis, veículos e qualquer pessoa próxima com suspeita de guardar objetos de interesse da investigação. Está autorizada a utilização de força proporcional (como arrombamento de portas ou cofres) para cumprir as ordens.

A decisão enfatiza que o descumprimento de qualquer uma das medidas cautelares implicará na revogação e decretação da prisão.

postado em 24/07/2025 06:00
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