Visão do Direito

STF e ADPF das favelas

"Enfim, exceto em alguns procedimentos - em que houve ajustes, que passaram por uma espécie de sintonia fina —, tudo volta ao status quo ante da ADPF 635"

Amauri Meireles, coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais. Foi comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte -  (crédito: Reprodução/ Instagram )
Amauri Meireles, coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais. Foi comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte - (crédito: Reprodução/ Instagram )

Por Amauri Meireles* — Do julgamento da ADPF 635 (ADPF das Favelas), em 03/03/2025 (voto per curiam), após complemento (ou redirecionamento?) de voto do senhor relator, ministro Fachin, algumas observações.

"O objetivo desta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é a promoção do cumprimento de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos mediante elaboração de um plano para a redução da letalidade policial." Pelo voto da Corte Suprema, infere-se que o plano elaborado pelo governo do Rio de Janeiro foi aceito, ainda que algumas modificações devam ser realizadas.

Entretanto, um aspecto decisivo não foi considerado: questionou-se a letalidade policial, mas não se considerou que essa ocorre porque o Estado (representado pelas forças policiais) é confrontado durante a realização de operações e, por isso, podem ocorrer indesejáveis excessos. Esse confronto, quase em sua totalidade, parte de organizações criminosas que ocupam e dominam as comunidades. Em raríssimas ocasiões, essa atitude parte da Polícia.

É comum ouvir-se referências à baixíssima letalidade policial em muitos países, sejam eles pobres ou ricos. No entanto, esquece-se de mencionar que, nesses locais, a Polícia — que representa, de fato, a autoridade do Estado — é respeitada, não é afrontada nem enfrentada.

Enfim, exceto em alguns procedimentos - em que houve ajustes, que passaram por uma espécie de sintonia fina —, tudo volta ao status quo ante da ADPF 635. Quanto à proteção daquelas áreas, objetivamente, fica cada vez mais claro que o problema ainda não foi adequadamente estruturado e, assim, as recomendações se aplicam a situações pontuais.

A tônica ficou restrita à abordagem da causalidade, vértice em que atuam as Polícias, para onde fluem as causas e refluem os efeitos das mazelas e das contradições sociais. Assim, as medidas sugeridas são periféricas, visto que se restringiram apenas — lamenta-se — à análise de procedimentos policiais, esquecendo-se de que a criminalidade é menos um problema policial e mais uma grave e complexa vulnerabilidade sociopolítica. Essa situação decorre, no mínimo, de uma cidadania desfocada, ensejando desobediência às regras e desrespeito aos valores sociais, além da pouca atenção, na área da saúde, aos casos de insanidade e transtornos mentais.

Uma determinação que, ao que parece, foi colocada apenas "para cumprir tabela", mas que é nuclear - ou seja, aborda uma questão essencial, fulcral -, não teve o necessário realce. Refiro-me a:

"Reocupação territorial das áreas dominadas por organizações criminosas — 4. Determinar a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas pelo Estado do Rio de Janeiro e pelos municípios interessados, observando os princípios do urbanismo social e com o escopo de viabilizar a presença do Poder Público de forma permanente..."

Tem-se a convicção de que tudo o mais que foi tratado é residual, ou seja, uma decorrência dessa absurda ocupação territorial, cujo fator gerador é uma letárgica distopia estatal — que não é recente — e que onera as Polícias.

Se apenas as operações policiais forem implementadas, certamente voltaremos às razões que motivaram a ADPF. A tática militar ensina que não basta conquistar o terreno, é necessário manter a posse.

Operações policiais pontuais não atingem esse objetivo e, ao contrário, provocam alvoroço e aumentam a sensação de insegurança nos moradores que permanecem nas comunidades após a retirada da Polícia. Enfim, não é a força pública estadual (a Polícia Militar) que deve, isoladamente, retomar áreas dominadas por organizações criminosas - nem tampouco apenas o governo. É, certamente, o Estado, visto que a solução exige a participação dos três níveis e das três esferas de Poder, em intervenções estruturais e funcionais de curto, médio e longo prazos.

Isso deve começar pela requalificação do ambiente distópico, que é conveniente apenas — e tão somente — aos 5% de marginais que dominam as comunidades, os quais não devem ser confundidos com os 95% de marginalizados ali residentes.

Coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais. Foi comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte*

Por Opinião
postado em 24/04/2025 04:00
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