
Por José Carlos Fernandes Junior* — A busca pela justiça social não é exclusiva de nenhuma ideologia específica e não deve ser usada como pretexto para ataques indiscriminados à livre iniciativa ou ao sistema capitalista, responsabilizando-os pelas diversas mazelas vivenciadas no Brasil.
Não é nenhum governo ou partido político, mas a própria Constituição da República estabelece uma ordem econômica baseada na livre iniciativa e na propriedade privada, guiada pelos princípios fundamentais do desenvolvimento sustentável e da justiça social. Esses objetivos, democraticamente eleitos pelo Poder Constituinte Originário, nos arts. 1º, IV, e 170 do Texto Maior, visam fortalecer o sistema econômico nacional em harmonia com o interesse coletivo.
Desde Adam Smith, em sua obra clássica An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776), o capitalismo moderno fundamenta-se no princípio da liberdade econômica como meio de alcançar o bem-estar geral. Smith, com sua célebre metáfora da "mão invisível", defendia que o interesse individual, ainda que egoísta, promove indiretamente benefícios coletivos, contribuindo para uma ordem econômica espontânea e autorregulada. Essa ideia constitui o cerne do capitalismo liberal, ao reforçar a importância da livre iniciativa na promoção da prosperidade econômica e social.
Ainda que alguns autores, especialmente sob a ótica crítica ou marxista, busquem relativizar o papel de Smith como defensor do capitalismo, a literatura econômica consagrada não deixa dúvidas sobre sua posição fundacional. Robert Heilbroner (2000), em The Worldly Philosophers, o define como o "pai do capitalismo", e Friedrich Hayek o reconhece como precursor do princípio da ordem espontânea, alicerce da racionalidade do livre mercado. Joseph Schumpeter (1954), em sua monumental History of Economic Analysis, admite que Smith pode não ter sido o primeiro a falar de temas econômicos, mas foi o primeiro a organizá-los de forma coerente e orientada à liberdade de iniciativa individual.
Contudo, é igualmente verdade que o capitalismo evoluiu muito desde então. De um modelo inicialmente absolutamente liberal, com mínima intervenção estatal, avançou para um sistema mais equilibrado, adaptando-se continuamente às demandas sociais e ambientais contemporâneas. Grandes crises, especialmente a Grande Depressão de 1929, demonstraram que a presença ativa do Estado é necessária para estabilizar economias e reduzir impactos sociais negativos. Essa capacidade de adaptação fortaleceu o capitalismo no cenário global.
Destaca Hélio Afonso de Aguilar Filho que o "capitalismo implica desenvolvimento de uma racionalidade voltada para o lucro, resultando em um método de empresa" (2011, p. 562). Essa lógica empresarial, porém, precisa conciliar os ganhos econômicos com responsabilidades sociais e ambientais, conceito essencial no chamado "capitalismo humanista", que visa compatibilizar o progresso econômico com direitos humanos e ambientais, afastando-se do viés raso de individualização dos lucros e socialização dos custos/prejuízos. Ana Paula de Barcellos reforça essa visão ao explicar que o princípio da livre iniciativa, presente na Constituição, pressupõe a propriedade privada, assegura a liberdade econômica, protege o direito legítimo ao lucro e a liberdade contratual, sempre dentro dos limites da legalidade e evitando abusos econômicos (2020, p. 469).
Seguindo a linha defendida por juristas renomados, como Eros Roberto Grau (2004, p. 186-187), Ricardo Hasson Sayeg e Paulo Dias de Moura Ribeiro (Ribeiro; Sayeg, 2017), um modelo econômico inclusivo, emancipador e sustentável pode efetivamente realizar a justiça social prevista na Constituição.
Sob essa perspectiva, o agronegócio brasileiro emerge como exemplo expressivo dessa evolução, gerando não apenas riquezas econômicas, mas também promovendo inclusão social, emprego e segurança alimentar.
Dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) revelam que, em 2024, o setor representou cerca de 22% do PIB nacional. No estado de Minas Gerais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o agronegócio foi responsável por mais de 30% das exportações estaduais em 2023, destacando-se nos setores de café, pecuária e grãos. O agronegócio, em suma, impulsiona a economia nacional, gera empregos e arrecadação tributária, promove a inclusão social e fortalece a segurança alimentar, contribuindo diretamente para reduzir desigualdades sociais e regionais.
No entanto, é preciso reconhecer que o setor ainda enfrenta desafios significativos, como o desmatamento ilegal e os conflitos socioambientais. Assim, é fundamental que os órgãos públicos de controle e o Ministério Público permaneçam vigilantes e firmes na fiscalização do cumprimento das normas ambientais e sociais aplicáveis ao agronegócio. Isso não significa ser algoz do setor — pelo contrário, especialmente no caso do Ministério Público, busca-se contribuir para a construção de soluções e superação dos obstáculos por meio de regular articulação que deve existir entre os entes dos setores público e privado, alicerçada em um diálogo republicano que, por sua vez, não admite omissões no enfrentamento das ilegalidades.
Conclusão: o agronegócio brasileiro se apresenta como uma importante força em direção ao desenvolvimento sustentável e à justiça social. Por isso, é recomendável que produtores, consumidores, órgãos governamentais e o Ministério Público intensifiquem diálogos e ações conjuntas para garantir que o setor evolua continuamente rumo a um modelo cada vez mais sustentável, transparente e socialmente justo.
Promotor de Justiça, mestrando em direito político e econômico. Especialista em divisão de poderes, Ministério Público e judicialização*
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