Visão do Direito

Prefeitos e julgamento de contas: STF inova e esclarece

"Algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, inclusive chegaram a declarar que os Tribunais de Contas não poderiam julgar prefeitos, pois a regra seria o julgamento pelo Legislativo"

Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes e Jorge Ulysses Jacoby Fernandes  -  (crédito: Divulgação)
Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes e Jorge Ulysses Jacoby Fernandes - (crédito: Divulgação)

Por Jorge Ulysses Jacoby Fernandes** e Murilo Jacoby Fernandes* — Em obras de nossa autoria, revelamos a existência de um paradoxo que ainda pende de decisão judicial definitiva, em repercussão geral. Por mais de uma vez, provocamos estimados amigos dirigentes da Atricon, para obter uniformização de jurisprudência com a finalidade de fortalecer os Tribunais de Contas.

E a decisão veio, precisamente provocada pelo eminente Conselheiro César Miola ao fazer representação em nome da Instituição.

A plêmica: os prefeitos prestam contas anuais ao Poder Legislativo. Essas contas anuais recebem o parecer prévio dos Tribunais de Contas. Na esfera municipal, portanto, repete-se modelo federal. A diferença surge no tocante à possibilidade de rejeição do parecer do tribunal de contas. Para o presidente da República, a Constituição não traz essa possibilidade. No caso dos municípios, esse parecer prévio dos Tribunais de Contas só pode ser afastado por decisão de 2/3 dos votos da Câmara Municipal.

Ocorre que muitos prefeitos, além de serem gestores políticos, passaram a praticar atos típicos de ordenadores de despesa, assinando convênios, abrindo conta em banco, sacando dinheiro, autorizando folha de pagamento, homologando licitação e assinando contratos.

Quando flagrados em irregularidades, consideravam que não poderiam ser julgados pelos Tribunais de Contas, vez que pela Constituição Federal da República do Brasil — CFRB é a Câmara Municipal que julga as contas do prefeito, seguindo o parecer do tribunal de contas ou por votos de 2/3 rejeitando o parecer.

Algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, inclusive chegaram a declarar que os Tribunais de Contas não poderiam julgar prefeitos, pois a regra seria o julgamento pelo Legislativo.

Iniciava-se assim a confusão entre as duas competências definidas na Constituição Federal: a primeira, (art. 71, inc. I, da CFRB) se refere ao julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo, em que o tribunal de contas atua emitindo parecer prévio, técnico e com garantida ampla defesa e contraditório, que vai orientar o julgamento político pelo Legislativo. A segunda se refere ao julgamento do ordenador de despesas e, nesse caso, o julgamento é feito pelo próprio tribunal de contas (art. 71, inc. II, da CFRB). O Judiciário só atua em casos de ilegalidade, como, por exemplo, fiscalizando se os princípios da ampla defesa, do contraditório e, principalmente, do devido processo legal foram observados.

Na doutrina italiana, de Ferrara, ensina que a autoridade não pode descer do seu pedestal e praticar atos comuns. Se o fizer, será julgada como os comuns. De fato, está correto, pois se for permitido ao prefeito, isentar-se do julgamento do tribunal de contas quando atua como ordenador de despesas, poderia "blindar" toda a sua equipe avocando para si a prática de todos os atos de ordenador de despesas do município.

O STF, agora, acolhendo a representação que ensejou a ADPF, decidiu que os prefeitos que atuarem como ordenadores de despesas serão julgados pelos Tribunais de Contas, como ocorre com qualquer ordenador:

Decisão: o Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para invalidar as decisões judiciais ainda não transitadas em julgado que anulem atos decisórios de Tribunais de Contas que, em julgamentos de contas de gestão de prefeitos, imputem débito ou apliquem sanções fora da esfera eleitoral, preservada a competência exclusiva das Câmaras Municipais para os fins do art. 1º, inciso I, g, da Lei Complementar nº 64/1990, conforme decisões anteriores do STF.

Necessário pontuar que, atento à competência relativa à matéria eleitoral, o STF decidiu que nesse caso apenas pode o tribunal de contas aplicar multa e imputar o débito decorrente do dano verificado. Afastou, portanto, eventual inelegibilidade decorrente dessa condenação.

Especificamente cria uma nova interpretação, que altera os fundamentos de muitas decisões. Explicamos: todos os que são julgados pelo artigo 71, inc. II, da CFRB, poderão integrar a relação dos que têm contas irregulares. Caberá ao Ministério Público, de posse dessa relação, impugnar todas as candidaturas dos que tiverem contas irregulares, tendo em vista que art. 1º, inciso I, g, da Lei Complementar nº 64/1990.

Isso porque essa norma determina que são inelegíveis, para qualquer cargo, os que tiverem suas contas rejeitadas, desde que essa rejeição seja:

a) por irregularidade insanável;

b) que configure ato doloso de improbidade administrativa;

c) por decisão irrecorrível do órgão competente;

d) salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, a lei expressamente dispõe que aplica-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Posteriormente, a Lei complementar nº 184/2021 estabeleceu que a inelegibilidade prevista na alínea "g", referida "não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas JULGADAS IRREGULARES SEM imputação de débito e tiverem sido apenas multados".

O novo julgamento firma entendimento de que os prefeitos que ordenam despesas "têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa à perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário". Enfatiza que os Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas. Esclareceu que a competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, restringe-se:

a) à imputação de débito; e

b) à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais.

Contudo, especificamente para os que exercendo o cargo de prefeito passarem a integrar a lista das contas irregulares, não terá efeitos eleitorais, pois deve ser "preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990", nos termos do voto do relator, ministro Flávio Dino.

Como antecipamos aqui em artigo anterior a decisão do STF, no Caderno Direito & Justiça, edição dirigida pela estimada e prestigiadíssima Ana Maria Campos, a ADPF tinha um relevante propósito de fortalecer os Tribunais de Contas e ao mesmo tempo esclarecer os limites de sua competência.

Advogado, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante*

Advogado, professor e consultor; diretor jurídico da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados**

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Por Opinião
postado em 24/04/2025 03:00
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