
Por Guilherme Veiga* — Você já ouviu falar em "cultivares"? Embora o termo pareça técnico, ele tem impacto direto no que chega à sua mesa todos os dias. Cultivares são variedades vegetais desenvolvidas por melhoristas — pesquisadores ou empresas — que investem tempo e recursos para criar plantas mais produtivas, resistentes a pragas ou adaptadas a diferentes climas. Exemplos comuns incluem novos tipos de soja, milho e arroz. Para proteger esse esforço, a Lei nº 9.456/1997 garante aos criadores dessas variedades o direito exclusivo de explorá-las comercialmente por um período determinado.
Na prática, isso significa que um agricultor que deseja plantar determinada cultivar precisa de autorização formal, por meio de contrato de licenciamento. Em troca, paga royalties — valores cobrados pelo uso da tecnologia embutida naquela semente. Mas o que acontece quando esse pagamento não é feito? Qual o prazo que o criador da cultivar tem para cobrar judicialmente o valor devido?
Essa foi a discussão enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.837.219/SP, julgado pela Terceira Turma sob relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O caso envolvia a cobrança de royalties atrasados, sem que a Lei de Cultivares especificasse um prazo para essa cobrança. Coube, então, ao STJ decidir qual regra aplicar.
De um lado, argumentava-se que, na ausência de prazo na lei específica, deveria ser aplicado o prazo geral de 10 anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. De outro, sustentava-se a aplicação do artigo 206, § 5º, I, que fixa em cinco anos o prazo para cobrar dívidas líquidas, ou seja, aquelas cujo valor está definido em contrato.
O STJ acolheu a segunda tese: o prazo de prescrição para cobrar royalties pelo uso de cultivares licenciadas é de cinco anos, contados a partir do momento em que o titular do direito tiver ciência da inadimplência. O fundamento foi que os contratos de licenciamento geralmente estipulam com clareza os valores e as formas de pagamento dos royalties, caracterizando uma dívida líquida nos termos da lei civil.
A decisão é relevante porque oferece segurança jurídica para empresas, cooperativas e produtores envolvidos no licenciamento de sementes. Além disso, serve de alerta: quem tem royalties a receber deve agir dentro do prazo, sob pena de ver seu direito extinto pela prescrição.
O julgamento também reforça a importância de contratos bem redigidos, com cláusulas claras sobre os valores a serem pagos, periodicidade, forma de cobrança e consequências do inadimplemento. E demonstra como o Judiciário vem atuando para integrar leis especiais, como a de proteção de cultivares, às normas gerais do Código Civil.
Em um setor estratégico como o agronegócio, em que a inovação genética e a proteção da propriedade intelectual são motores de crescimento, decisões como essa contribuem para garantir previsibilidade e equilíbrio nas relações entre obtentores e agricultores. O entendimento firmado pelo STJ valoriza os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, sem desconsiderar os limites legais para o exercício do direito à cobrança.
Doutorando pelo CEUB/DF. Mestre em Direito. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa, Itália. Advogado com atuação no STF e STJ*
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