Entrevista

Livro conta bastidores inéditos da atuação de Augusto Aras na PGR

O Procurador, escrito pelo jornalista Luís Costa Pinto, deve ser lançado em Brasília em 9 de julho

Jornalista Luis Costa Pinto -  (crédito: Arquivo pessoal)
Jornalista Luis Costa Pinto - (crédito: Arquivo pessoal)

Experiente jornalista, conhecedor da cena política brasileira, Luís Costa Pinto entrou nos bastidores da Procuradoria-geral da República e do Judiciário para contar detalhes inéditos da passagem de Augusto Aras pelo comando do Ministério Público Federal, por dois mandatos consecutivos. Nomeado pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2019, Aras é descrito no livro O Procurador, que será lançado hoje em São Paulo, como responsável por ajudar a desmobilizar policiais militares escalados para atos golpistas e de desvendar um sistema de informações sigiloso e clandestino dentro da PGR que, como é apontado na obra, era usado nas investigações na Operação Lava-Jato. O lançamento em Brasília será em 9 de julho.

Como foi seu trabalho de apuração para contar essa parte da história brasileira?

Havia algum tempo, tinha recebido uma série de documentos internos oriundos da Procuradoria Geral da República. Eram ofícios, troca de mensagens e alguns extratos de procedimentos internos de correição que davam conta de irregularidades cometidas por procuradores e subprocuradores-gerais. A maioria dos documentos era relativa à Lava-Jato, à Operação Greenfield e a ações conexas. Um amigo meu, amigo comum meu e do Aras, a quem não conhecia pessoalmente, que sabia da chegada daqueles documentos no meu escritório, perguntou-me se eu não queria falar com o então procurador-geral. Perguntei a ele se o Augusto Aras já lera o que eu já tinha escrito sobre ele... artigos de opinião muito duros criticando posições dele e, sobretudo, a ascensão dele à PGR sem passar pela lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República. "Ele leu tudo e é por isso que quer falar com você: você foi duro, sempre, pegou pesado, sempre, mas nunca foi além do limite da crítica", disse-me esse amigo comum meu e do Aras. Marcamos a conversa. Isso foi em março de 2023. Foi uma longa primeira conversa, falamos sobre tudo, e vi que a partir dali tinha um mapa do caminho para aprofundar as apurações sobre o que tinha em mãos, mas, também, para ir além na questão dos golpes contra a democracia brasileira tentados por Jair Bolsonaro em 2021 e 2022, sobretudo. A partir dali fiz uma agenda de conversas com ele, consegui abrir outras portas dentro da PGR, efetuei uma série de entrevistas com outras fontes e deixei claro, desde o início, que não se trataria nem de uma biografia, nem de um perfil biográfico: queria escrever, como escrevi, um livro-reportagem sobre aqueles quatro anos loucos em que enterramos a Lava-Jato expondo suas ilegalidades, atravessamos o rubicão da pandemia e vencemos, ao menos, três tentativas reais de golpes de Estado.

Para muitos, Aras foi um procurador omisso principalmente durante a pandemia e na responsabilização das mortes causados pela demora na chegada das vacinas. Como o livro trata essa questão?

É o capítulo mais delicado do livro porque deixei claro para ele, antes e depois de apurar todo o material sobre o período, que sempre achei que Bolsonaro tinha de ser denunciado naquele episódio. Até reproduzo no livro uma passagem pessoal, minha, na qual sugeri diretamente ao Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados de quem eu sou muito próximo, que urdisse um impeachment junto ao Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e ao Dias Toffoli, então presidente do STF. Mas, necessariamente, aquela solução passaria por uma negociação com o vice-presidente da época, Hamilton Mourão. E Rodrigo Maia jamais quis pagar o preço de um impeachment que pusesse Mourão, um general de pijama, na presidência. O Augusto Aras argumenta, tecnicamente, no livro, que o Bolsonaro errou de forma desumana durante a pandemia ao falar as barbaridades que falou, ao desafiar a ciência, a lógica e a civilidade duvidando da covid-19 e de sua letalidade. Entretanto, diz ele, o Estado brasileiro — por meio das pessoas que ocupavam carreiras de Estado, no 2º e no 3º escalões da administração pública — fez o que tinha de ser feito para combater a pandemia: comprou vacinas, distribui-as, atuou nos lockdowns quando necessário... daí, não haveria argumento jurídico para se propor um impeachment ou uma ação criminal contra Bolsonaro. Além disso, no livro essa ressalva é feita tanto por Aras quanto por Humberto Jacques de Medeiros, que foi vice-PGR dele entre 2019 e 2020, o então procurador-geral não quis bancar o custo político de ser o motor de um impeachment em meio a uma pandemia que por si só já desorganizava a sociedade e o sistema político. Discordo dele, mas, no livro ele dá as razões dele.

Qual foi o papel de Aras no encerramento das investigações da Lava-Jato?

É interessante esse capítulo porque eu sou muito próximo do Walter Delgatti Neto, o "hacker de Araraquara", que terminou por se converter numa fonte minha para outro livro e roteiro que estou escrevendo... e, num determinado momento, depois de escrever os capítulos relativos a isso, disse ao Aras: conseguimos demonstrar, aqui, como a Lava-Jato caiu, dentro da PGR, em razão dos problemas que ela tinha de falta de institucionalidade e de excesso de ilegalidades. A "Vaza Jato" foi até dispensável para a extinção da Lava-Jato. Claro que a exposição pública promovida pelo vazamento dos diálogos deixou os procuradores de Curitiba nus em praça pública. Contudo, a Lava-Jato foi desmontada dentro da PGR por causa do excesso de ilegalidades e da falta de institucionalidade dela. E, nesse caso, há ótimas revelações em O Procurador.

No livro, você descreve como Aras atuou nos bastidores para impedir que policiais militares aderissem a uma tentativa de golpe. Pode contar como isso ocorreu?

São dois capítulos dedicados a isso — aos golpes de 2021 e de 2022, tentados e jamais consumados. O livro termina antes do golpe de 8 de janeiro de 2023 que, em minha opinião, foi dado e derrotado naquele dia. Em março de 2021, quando o general Fernando Azevedo é demitido do Ministério da Defesa e os três comandantes das forças militares entregam seus cargos, o Aras foi procurado por um general que o alertou: estava sendo urdido um golpe de Estado com data marcada para ocorrer em 7 de setembro daquele ano e policiais militares dispersos por todo o país seriam a correia de transmissão do golpismo que emanaria de Brasília. Dias Toffoli, do STF, havia recebido o mesmo recado de outro militar de alta patente. Toffoli e Aras se falavam com frequência e seguiam um conselho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dado ao ministro do Supremo quando ele assumiu a presidência do tribunal: conservar com Bolsonaro o movimento de clinch, do boxe. Explico isso no livro. Vai daí, Aras e Toffoli combinaram um desmonte silencioso, mas intenso, da participação das Polícias Militares naquele processo golpista. E tirar as PMs das ruas no 7 de setembro de 2021 foi fundamental para que o golpe não ocorresse já ali. Janeiro de 2023 seria no 7 de setembro de 2021.

Outra parte importante é o sistema de informações que escondia dados até do PGR. Aras sabia da existência desse sistema antes de assumir. Conseguiu desmontar? A quem servia?

Aras não sabia da existência desse sistema de ocultamento de informações antes de virar procurador-geral. Raquel Dodge, antecessora dele, foi PGR por dois anos sem saber disso, sem ter acesso à íntegra do acervo da procuradoria. Quando era vice-PGR, por acaso, por causa de um processo contra um procurador da República baseado na Lei Maria da Penha que corria em sigilo, o subprocurador-geral Humberto Jacques se depara com a existência de uma gaveta virtual de "invisibilidade total" de determinados e muito seletos processos dentro da PGR. Aquilo tinha sido montado na época de Rodrigo Janot e por procuradores da Lava-Jato. Nem o procurador-geral e nem o seu vice tinham conhecimento da integralidade do acervo da instituição. Um absurdo completo: havia processos sigilosos que só caminhavam a partir de pessoas selecionadas para mexerem neles. E selecionadas não de forma pública e transparente, mas obscura. Esses sistema de invisibilidade, que dá margem à possibilidade de ocorrência de centenas de ações e atos de corrupção, foi desmontado.

O livro acaba colocando Aras em um lugar mais prestigiado da história?

Essa jamais foi a pretensão do livro, que é uma reportagem. Não sei se ele mesmo considera estar num lugar "mais prestigiado da história" depois do livro. Porém, o livro conta melhor determinadas passagens, com algum distanciamento temporal dos fatos, e isso talvez seja relevante para mudar a perspectiva de análise de quem olha o nosso trágico, conturbado e tenso passado recente.

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postado em 04/07/2024 06:00 / atualizado em 04/07/2024 00:00
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