União Europeia anuncia nova meta ambiental

Previsão é de reduzir em 90%, até 2040, emissões de gases do efeito estufa, em relação aos índices de 1990. Novo objetivo, porém, recebe críticas, principalmente devido ao prazo definido

Comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra: meta é ambiciosa -  (crédito: AFP)
Comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra: meta é ambiciosa - (crédito: AFP)

Menos de uma semana antes do início da COP30, em Belém, a União Europeia (UE) anunciou nessa quarta-feira (5/11) o compromisso de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 90% até 2040, após uma série de concessões para convencer os países ainda hesitantes. Depois de longas negociações em Bruxelas, na Bélgica, o bloco definiu também que as nações podem abater até 10% da meta estabelecida por meio de créditos de carbono.

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Os países da UE também formalizaram uma meta intermediária de redução das emissões até 2035, que deve ser apresentada nas negociações climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), fixada entre 66,25% e 72,5%. A União Europeia é o quarto maior emissor do mundo, atrás somente de China, Estados Unidos e Índia. Mas o bloco tem se comprometido em adotar ações contra as mudanças climáticas e já reduziu a liberação de gases do efeito estufa em 37%, em comparação com os níveis de 1990.

Para o climatologista Jose Antonio Marengo, coordenador geral do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a decisão da União Europeia foi acertada, mas veio tarde. "A ideia era que todo mundo cumprisse o Acordo de Paris, mas, agora, com vistas a 2040, os eventos climáticos extremos vão continuar aumentando. Dá para parabenizar, mas realmente eles deveriam se esforçar para se adequar a essas novas metas antes de 2040."

Para convencer os membros mais resistentes, como a Itália, várias medidas de "flexibilidade" foram abordadas. Os europeus poderão comprar 5% de créditos de carbono internacionais para financiar projetos fora do continente, um arranjo muito criticado por organizações ambientalistas. Além disso, existe a possibilidade de 5% de créditos adicionais na próxima revisão do acordo.

Os 27 países do bloco também apoiaram adiar por um ano, de 2027 para 2028, a extensão do mercado de carbono no transporte rodoviário e nos sistemas de climatização dos edifícios. Esse pedido foi feito por Hungria e Polônia. Os Estados-membros também aprovaram uma cláusula para revisar a lei do clima a cada dois anos, o que permitiria ajustar a meta.

Segundo Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, os compromissos da UE são significativos, porém há questões pouco esclarecidas. "Primeiro, a União Europeia é uma grande exportadora de petróleo e derivados, e as emissões resultantes da queima desses produtos não entram na conta da UE, mas deveriam." Em seguida, o especialista questionou a transferência de empresas poluidoras para países de fora do território europeu, o que poderia ser uma forma de driblar a contagem de liberação de gases do efeito estufa.

Ainda ontem, os presidentes da COP29 e da COP30, o azerbaijano Mujtar Babaiev e o brasileiro André Corrêa do Lago, afirmaram que o mundo tem "as ferramentas" necessárias para fornecer US$ 1,3 trilhão (R$ 7 trilhões) em financiamento climático aos países vulneráveis. Segundo eles, em um momento em que os orçamentos estão apertados em todo o mundo, "temos consciência de que essa jornada começa em um período de turbulências". 

Longe do ideal

Mundialmente, a emissão de gases do efeito estufa aumentou 2,3% em 2024 na comparação com o ano anterior, segundo novos dados da ONU, publicados recentemente. Os cientistas concordam que superar um aumento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais terá consequências catastróficas e que é necessário fazer todo o possível para evitar a alta da temperatura.

Segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o mundo ultrapassará nos próximos anos esse limite de aumento de temperatura, seguindo a tendência do recorde de liberação de gases de 2024. "Nossa missão é simples, mas não é fácil: fazer com que qualquer excesso de emissões seja o menor e mais breve possível", declarou o secretário-geral da ONU, António Guterres, durante a apresentação do relatório, na terça-feira.

A ONU faz um apelo aos países mais poluentes, principais responsáveis pela crise, solicitando que assumam um compromisso com reduções mais rápidas e significativas, para que a curva de aumento volte a se aproximar de 1,5°C até o fim deste século. "A ambição e a ação estão muito abaixo dos níveis necessários em escala mundial ou coletiva", disse à AFP Anne Olhoff, redatora científica chefe do relatório. O estudo revelou ainda que, mesmo se os objetivos já aprovados globalmente fossem aplicados totalmente, o aquecimento seria de entre 2,3°C e 2,5°C até 2100.

Fenômenos extremos

Conforme a publicação, as consequências desse cenário seriam desastrosas para os países mais suscetíveis ao aumento do nível do mar e aos fenômenos ambientais extremos. Os cientistas frisaram que um aquecimento superior a 1,5°C aumenta a intensidade dos furacões, das inundações e de outros desastres naturais.

Com 1,4°C acima dos níveis pré-industriais, a Terra já está quente demais para a sobrevivência da maioria dos recifes de coral tropicais. Além disso, as camadas de gelo e a floresta amazônica podem sofrer mudanças graves e duradouras, com consequências que afetam todo o planeta.

O recorde de 2024, com um aumento de 2,3% das emissões mundiais, foi impulsionado pela Índia, seguida por China, Rússia e Indonésia. Para os autores do relatório, é aumento bastante expressivo em comparação com os últimos anos "e semelhante ao crescimento das emissões registrado na década de 2000".

As nações mais ricas do G20 representaram 75% das emissões globais. Entre os seis maiores poluidores, os países da União Europeia foram os únicos que reduziram as emissões de gases do efeito estufa em 2024.

 

Duas perguntas para

André Ferretti, gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

Qual a relevância da decisão da União Europeia?

O anúncio da tão aguardada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) da União Europeia (UE), às vésperas da COP30, gera um impacto muito positivo. Fortalece o multilateralismo e o papel da conferência de Belém no endereçamento dos objetivos do Acordo de Paris. A meta indicativa de redução das emissões até 2035 e o compromisso de cortar 90% das emissões até 2040, em comparação aos níveis de 1990, representam uma contribuição relevante e alinhada ao Acordo de Paris, com potencial de elevar a ambição de outros países. Entretanto, a NDC também apresenta lacunas e flexibilizações que podem comprometer seu impacto. Um ponto bastante criticado é a possibilidade de utilização de até 5% de créditos internacionais a partir de 2036 para atingir a meta de 2040, o que, na prática, pode reduzir para cerca de 85% o corte de emissões domésticas. Essa opção ainda adiciona as incertezas e riscos inerentes ao uso de créditos de carbono a uma parcela significativa do compromisso europeu.

Há algum ponto positivo na autorização para utilizar créditos de carbono?

Um preocupante é o amplo intervalo indicativo de redução de emissões proposto para 2035, entre 66,25% e 72,5%. Essa margem pode reduzir o ritmo de avanço rumo às metas de 2040, afetando a confiança e o apetite dos investidores em inovação para a descarbonização da economia, além de gerar atrasos na adoção de políticas públicas de baixo carbono. Por outro lado, o uso de créditos internacionais também pode trazer oportunidades para o Brasil, que possui grande potencial para o desenvolvimento de projetos de crédito de carbono, especialmente aqueles voltados à conservação e restauração da natureza, à agricultura regenerativa e a outras Soluções Baseadas na Natureza.

Anfitrião no rumo quase certo

Na contramão da tendência mundial, o Brasil registrou em 2024 sua maior redução anual nas emissões de gases de efeito estufa desde 2009, segundo dados divulgados. As emissões brutas do país que sediará a COP30 em poucos dias diminuíram 16,7% em relação ao ano anterior, calculou o Observatório do Clima. 

"Os novos dados mostram o impacto da retomada do controle de desmatamento pelo governo federal em seguida ao descontrole deliberado entre 2019 e 2022", afirmou o Observatório em nota à imprensa. Desde a posse do novo governo, em 2023, a destruição florestal diminuiu na Amazônia Legal. Caiu 11% entre agosto de 2024 e julho de 2025, segundo dados oficiais divulgados recentemente.

Mais emissões

Apesar dessas reduções, "os dados da economia brasileira em 2025 (...) não permitem fazer projeções otimistas" sobre o cumprimento das metas de redução de emissões do país neste ano", advertiu o Observatório. Embora reconheçam os avanços no combate ao desmatamento, organizações ambientalistas criticam o leve aumento das emissões do setor agropecuário e da geração de energia no país.

A indústria petroleira também tem representado um desafio para o cumprimento de metas ambientais. Em outubro, a Petrobras iniciou perfurações em águas profundas do Amapá, a 500 km da foz do rio Amazonas e a 175 km da costa, na Margem Equatorial, após receber a autorização do Ibama.

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postado em 06/11/2025 05:05
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