
Engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, desenvolveram um adesivo cardíaco que pode ser colocado em pacientes após um infarto. O dispositivo, descrito nessa terça-feira (4/11) na revista Cell Biomaterials, ajuda a promover a cicatrização e a regeneração do tecido e facilita a entrega de medicações ao órgão.
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O adesivo foi projetado para transportar diversos medicamentos, que podem ser liberados em momentos diferentes, de acordo com o que for pré-programado para cada paciente. Em um estudo com ratos, os pesquisadores demonstraram que esse tratamento reduziu a quantidade de tecido cardíaco danificado em 50% e melhorou significativamente a função do órgão.
Segundo os cientistas, se aprovado para uso em humanos, esse tipo de adesivo poderá ajudar pacientes a recuperar a função cardíaca de forma mais eficiente do que é visto com os tratamentos atuais. "Quando alguém sofre um infarto grave, o tecido danificado não se regenera de forma eficaz, levando a uma perda permanente da função do órgão", afirmou Ana Jaklenec, coautora do trabalho. "Nosso objetivo é restaurar essa função e ajudar as pessoas a recuperarem um coração mais forte e resistente após um infarto do miocárdio."
Medicação programada
Conforme os autores, após um ataque cardíaco, muitos pacientes acabam se submetendo a uma cirurgia de ponte de safena, que melhora o fluxo sanguíneo para o coração, mas não repara o tecido cardíaco danificado. No novo estudo, a equipe buscou criar uma espécie de 'remendo' que pudesse ser aplicado no mesmo momento da operação.
Eles testaram se o adesivo era capaz de liberar medicamentos por um período prolongado para promover a cicatrização dos tecidos. Muitas doenças, incluindo problemas cardíacos, exigem tratamento específico para cada fase, mas a maioria dos sistemas descarrega os remédios de uma só vez.
"Queríamos verificar se é possível realizar uma intervenção terapêutica precisamente orquestrada para curar o coração, exatamente no local da lesão, enquanto o cirurgião já está realizando a cirurgia de coração aberto", afirmou Jaklenec.
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Para alcançar esse objetivo, os pesquisadores decidiram adaptar micropartículas usadas na administração de medicamentos desenvolvidas anteriormente. Essas cápsulas são feitas de um polímero chamado PLGA e podem ser seladas com um medicamento em seu interior.
Ao alterar o peso dos polímeros usados para formar as tampas das cápsulas, os pesquisadores conseguiram controlar a velocidade de degradação, o que permitiu programar a liberação do conteúdo — os medicamentos — em momentos específicos. Para essa aplicação, os pesquisadores projetaram a degradação entre os dias 1 e 3, 7 e 9 e 12 e 14 após o implante.
Isso permitiu que eles desenvolvessem um regime de três medicamentos que promovem a recuperação do coração de maneiras diferentes. O primeiro conjunto de partículas liberou neuregulina-1, um fator de crescimento que ajuda a prevenir a morte celular. Em seguida, entregaram VEGF, que ajuda na formação de vasos sanguíneos ao redor do órgão. O último lote soltou um remédio chamado GW788388, que inibe a formação de tecido cicatricial, que pode ocorrer após um ataque cardíaco.
Os pesquisadores incorporaram fileiras dessas partículas em finas lâminas de um hidrogel resistente e flexível. Esse material é feito de alginato e PEGDA, dois polímeros biocompatíveis que se degradam no organismo. Para esse estudo, a equipe criou adesivos compactos com somente alguns milímetros de diâmetro. "Encapsulamos conjuntos dessas partículas em um adesivo e, em seguida, podemos implantar cirurgicamente essa criação no coração. Dessa forma, estamos realmente programando o tratamento nesse material", destacou Wang.
Para Fabrício da Silva, cardiologista da Amplexus Saúde Especializada, em Brasília, o grande mérito da pesquisa é sincronizar a terapia com o 'relógio biológico' da cicatrização do coração, algo difícil de fazer com comprimidos ou infusões. "A liberação em pulso programado, direto no foco da lesão, pode inaugurar uma classe de adjuvantes cirúrgicos para pós-infarto e para outras cardiopatias isquêmicas. Se os resultados translacionais se confirmarem, imagino aplicações em centros que já fazem revascularização miocárdica, integrando o adesivo ao ato cirúrgico para tentar preservar mais músculo viável e reduzir a progressão à insuficiência cardíaca."
Melhor função cardíaca
Os pesquisadores testaram a criação em esferas de tecido cardíaco. Eles as expuseram a condições de baixo oxigênio, simulando os efeitos de um ataque cardíaco, e então colocaram os adesivos. Assim, descobriram que o dispositivo promoveu o crescimento de vasos sanguíneos, ajudou células a sobreviver e reduziu a quantidade de fibrose.
Nos testes com ratos modelos de infarto, eles também observaram melhorias após o tratamento. Comparados à ausência de cuidados ou à injeção intravenosa dos mesmos medicamentos, os animais que passaram pelo novo método apresentaram taxas de sobrevivência 33% maiores, uma redução de 50% na quantidade de tecido danificado e um aumento significativo do débito cardíaco.
Conforme o cardiologista Marcelo Bergamo, responsável técnico da Coreclin, em Americana (SP), os resultados em animais são animadores, mas ainda é cedo para comparar diretamente com os tratamentos atuais. "O adesivo mostrou-se mais eficiente que a aplicação intravenosa dos mesmos medicamentos, o que sugere uma vantagem clara. Mas ele não substitui cirurgias como a ponte de safena — na verdade, pode ser usado em conjunto, já que pode ser aplicado durante o procedimento, ajudando na regeneração do tecido lesionado."
Bergamo detalhou ainda que, caso aprovado para uso em humanos, o procedimento exigiria muito cuidado, pois envolve uma intervenção cirúrgica. "Há riscos naturais de uma procedimento cardíaco, como sangramento, infecção ou arritmias. Além disso, é preciso garantir que o material do adesivo não provoque reação inflamatória nem altere o movimento do coração. Os testes evidenciaram que o hidrogel se degrada com o tempo sem causar prejuízo mecânico, mas isso ainda precisa ser confirmado em corações humanos."
A versão atual do adesivo precisa ser implantada cirurgicamente. No entanto, os cientistas estão explorando a possibilidade de incorporar essas micropartículas em stents que poderiam ser inseridos nas artérias.
Saiba Mais
Prevenção ainda é o melhor caminho
Ainda levará alguns anos antes de chegar aos pacientes, porque é preciso passar por testes de segurança e eficácia em modelos maiores, e depois pelos ensaios clínicos em humanos, que são rigorosos e demorados. Mas o fato de alguns dos medicamentos usados no adesivo — como o VEGF e a neuregulina-1 — já terem sido testados em humanos acelera parte desse caminho. Eu diria que, se os resultados continuarem promissores, poderemos ver os primeiros testes clínicos dentro de alguns anos, talvez na próxima década. É inspirador acompanhar o desenvolvimento de tecnologias como essa, que unem engenharia biomédica e cardiologia para criar tratamentos mais inteligentes e personalizados. Contudo, é importante lembrar: a prevenção continua sendo a melhor opção. Cuidar da pressão, do colesterol, do diabetes e manter hábitos saudáveis é o que realmente protege o coração —enquanto a ciência trabalha para oferecer novas esperanças a quem já passou por um infarto.
Anny Gutemberg, cardiologista clínica do Hospital Brasília
Águas Claras, da Rede Américas

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