
Reconhecida pelos benefícios cardiovasculares, metabólicos e neurológicos, a dieta mediterrânea também desempenha um importante papel na saúde bucal. Um estudo conduzido por pesquisadores do King's College London, no Reino Unido, e da Universidade de Catânia, na Itália, mostra que pessoas que seguem esse padrão alimentar têm menor risco de desenvolver periodontite grave, doença inflamatória crônica que afeta as gengivas e pode levar à perda dentária. O artigo foi publicado no Journal of Periodontology.
Segundo os autores, que avaliaram 200 pacientes atendidos em hospitais do Reino Unido entre 2023 e 2024, o consumo frequente de carne vermelha está associado a quadros mais severos de periodontite. Por outro lado, frutas, legumes e leguminosas demonstraram efeito protetor, reduzindo marcadores de inflamação no organismo. O estudo britânico confirma os resultados de um artigo de revisão publicado no ano passado no Journal of Oral Microbiology, que incluiu dados de milhares de pessoas.
Na pesquisa atual, os cientistas mediram desde a profundidade de bolsas periodontais — espaços entre a gengiva e o dente, resultantes da inflamação — até níveis de proteínas inflamatórias, como interleucina-6 (IL-6) e proteína C-reativa (PCR). Em seguida, aplicaram modelos estatísticos para verificar associações entre hábitos alimentares, marcadores biológicos e saúde gengival.
Gravidade
A análise revelou que seguir um padrão alimentar condizente com a dieta mediterrânea reduziu em cerca de 65% o risco de formas severas de periodontite. Já o consumo frequente de carne vermelha e derivados praticamente triplicou a probabilidade de gengivite grave.
A periodontite é uma condição microbiana e inflamatória que destrói os tecidos de sustentação dos dentes. Já é bem conhecido que os efeitos da doença extrapolam a boca: estudos associam o problema a doenças cardiovasculares, diabetes e até quadros neurológicos. Na pesquisa britânica, a interleucina-6, um marcador inflamatório, apareceu em níveis mais altos em pessoas com doença periodontal avançada. Segundo os autores, os dados reforçam que a inflamação periodontal tem impacto além da cavidade oral — e que a alimentação pode modular essa resposta.
A dieta mediterrânea é caracterizada por alto consumo de frutas, verduras, legumes, grãos integrais, azeite de oliva e oleaginosas; ingestão moderada de peixes, laticínios e vinho; e baixo consumo de carnes vermelhas e processadas. Esse padrão alimentar é rico em fibras, antioxidantes e ácidos graxos insaturados, compostos que reduzem o estresse oxidativo e regulam a produção de citocinas inflamatórias.
Crônicas
No estudo, o consumo frequente de vegetais e leguminosas esteve inversamente relacionado a biomarcadores inflamatórios como IL-6, IL-1, IL-10 e IL-17. Isso sugere que os efeitos benéficos vão além da boca, fortalecendo a hipótese de que a nutrição saudável protege contra inflamações crônicas sistêmicas.
Já a carne vermelha, especialmente em excesso, pode aumentar o risco de inflamação devido à presença de ferro heme, que favorece a formação de radicais livres. Além disso, ambientes ricos em proteínas e ligeiramente alcalinos — típicos de quem consome muita proteína de origem animal — favorecem o crescimento de bactérias periodontopatogênicas, como Porphyromonas gingivalis, associada à progressão da periodontite.
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"O microbioma da boca é formado por trilhões de microrganismos que, quando em desequilíbrio, podem favorecer o surgimento de doenças periodontais. A dieta mediterrânea contribui para manter o equilíbrio por ser rica em alimentos com propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes", esclarece o nutricionista Guilherme Lopes, do Grupo Mantevida. "Frutas, vegetais, azeite de oliva, grãos integrais, nozes e peixes ajudam a modular a composição bacteriana da boca, fortalecendo a imunidade local e reduzindo a inflamação gengival."
Da mesma forma, a alimentação pode prejudicar a saúde bucal, lembra o cirurgião-dentista Gustavo Delmondes, de Brasília. "Os alimentos que consumimos impactam tanto na integridade dos dentes quanto na saúde da gengiva. Uma dieta rica em açúcares simples e ultraprocessados favorece a formação de placa bacteriana e aumenta o risco de cáries. Além disso, carências nutricionais podem comprometer a imunidade e deixar a boca mais suscetível a inflamações, como a gengivite e a periodontite."
Saiba Mais
Três perguntas para
Ilana Marques, cirurgiã-dentista da IGM Odontologia para Família
Como os hábitos alimentares influenciam a saúde da boca?
Os hábitos alimentares estão diretamente ligados ao desenvolvimento da doença cárie e das doenças gengivais. Isso porque determinados alimentos — especialmente os ricos em açúcares simples e ultraprocessados — favorecem bactérias que desestabilizam o microbioma oral, levando à produção de ácidos que atacam o esmalte. Por outro lado, existem alimentos chamados neutralizadores, como queijos, iogurte natural sem açúcar, nozes e vegetais fibrosos, que estimulam a salivação e ajudam a restabelecer o pH da boca após a ingestão de alimentos ácidos ou açucarados. Esse equilíbrio entre o que agride e o que protege é fundamental para manter a saúde bucal.
A chamada dieta mediterrânea pode ajudar a prevenir doenças bucais?
Sim. O padrão mediterrâneo é considerado um dos mais protetores para a saúde, inclusive bucal. Ele se caracteriza pelo baixo consumo de ultraprocessados e açúcares e pela abundância de frutas, verduras, legumes, azeite de oliva, oleaginosas e peixes ricos em ômega-3. Embora inclua alimentos naturalmente ácidos, como frutas cítricas e vinho tinto, a dieta mediterrânea também oferece uma variedade de alimentos neutralizadores, que reduzem o impacto da acidez e ajudam a preservar o esmalte dental. Além disso, seu perfil anti-inflamatório contribui para a prevenção de doenças gengivais.
Que tipo de pesquisa ainda falta para um avanço na compreensão da relação entre dieta, microbioma e saúde bucal?
Ainda faltam estudos longitudinais que avaliem não apenas o impacto do açúcar ou da frequência alimentar, mas também o papel dos alimentos neutralizadores no reequilíbrio do pH oral após refeições ácidas. Também é necessário mapear como diferentes padrões alimentares modulam o microbioma oral a longo prazo e identificar a proporção ideal entre alimentos potencialmente prejudiciais (ácidos e fermentáveis) e os alimentos que ajudam a neutralizar seus efeitos. Esse tipo de dado permitirá recomendações ainda mais específicas para a prevenção de lesões de cárie e doenças gengivais. (PO)
Trabalho em conjunto
Apesar dos resultados consistentes do estudo que investigou a associação entre a dieta mediterrânea e a saúde bucal, os autores alertam que a pesquisa é observacional, ou seja, não demostra uma relação de causa e efeito. Outra limitação destacada é o fator do tabagismo: pessoas com alta adesão à dieta mediterrânea eram, em sua maioria, não fumantes, o que também influencia a saúde periodontal.
Ainda assim, os autores afirmam que os resultados reforçam uma linha crescente de pesquisas que vinculam hábitos alimentares e doenças da gengiva. Para os cientistas, é hora de considerar a nutrição como parte integrante da prevenção e do tratamento odontológico. "O que comemos não afeta apenas o coração ou o cérebro, mas também a saúde da boca. Uma alimentação baseada em plantas, azeite e peixe pode reduzir tanto a inflamação periodontal quanto a sistêmica", afirmou, em nota, Luigi Nibali, do King's College London e autor correspondente.
Para Giuseppe Grosso, coautor da Universidade de Catânia, o trabalho reforça que estratégias alimentares devem ganhar espaço no consultório odontológico. "Dentistas e nutricionistas podem trabalhar juntos para orientar pacientes com risco de periodontite", defende. A dentista Lílan Carvalho, de Brasília, concorda. "Hoje já entendemos que saúde bucal vai além da escovação e do fio dental. A alimentação é um pilar essencial para manter dentes e gengivas saudáveis. Por isso, é fundamental que o dentista também oriente seus pacientes sobre escolhas alimentares que protegem a boca, integrando a nutrição às recomendações de higiene diária."
Evidências
Os pesquisadores recomendam que novos estudos, com amostras maiores e de longo prazo, sejam conduzidos para confirmar associações. Eles acreditam que, se comprovadas, as evidências podem levar a diretrizes alimentares específicas para prevenção e manejo da periodontite, colocando a dieta mediterrânea no arsenal terapêutico da odontologia preventiva. (PO)