
Experiências precoces de isolamento social podem moldar o cérebro negativamente, aumentando o risco de doenças psiquiátricas e mentais no futuro. A conclusão, publicada na revista Nature Communications, é de pesquisadores sul-coreanos, que usaram um modelo animal para estudar como fatores externos moldam a atividade cerebral.
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"A forma que o cérebro se organiza é crucial para processarmos adequadamente os estímulos ao nosso redor", destaca Jung Hee Lee, autora senior do estudo e pesquisadora da Universidade Sungkyunkwan, na Coreia do Sul. "Quando essa organização é comprometida, como no caso do isolamento social, há maior risco de disfunções cognitivas e emocionais." Isso foi observado em laboratório: camundongos criados isolados demonstraram menor segregação entre redes cerebrais — ou seja, menos distinção entre áreas que deveriam funcionar de forma independente, como as dedicadas ao olfato, à visão ou ao tato.
No experimento, camundongos machos foram divididos em três grupos logo após o desmame: um foi mantido sozinho em gaiolas comuns (modelo de isolamento social), outro permaneceu com os demais em condições padrão, e um terceiro foi alojado com os animais restantes em ambientes enriquecidos. Após sete semanas, os pesquisadores avaliaram a atividade cerebral dos roedores com diferentes técnicas de ressonância magnética funcional (fMRI), que permitem observar como o cérebro responde a estímulos e como suas redes se conectam em repouso.
Estímulos
Os cientistas submeteram os animais a quatro tipos de estímulo: visual, tátil (pelo toque dos bigodes e das patas), olfativo e multimodal (combinando sentidos). Os camundongos isolados tiveram hiperatividade em áreas como o córtex olfativo, mas menor resposta em regiões visuais e associativas. Além disso, suas redes cerebrais estavam menos segregadas — ou seja, havia mais "ruído" entre sistemas sensoriais que deveriam operar de forma independente.
Já os roedores criados em ambientes estimulantes tiveram respostas sensoriais mais refinadas e organizadas, com maior ativação de áreas superiores do córtex visual e somatossensorial. Também mantiveram melhor segregação das redes neurais, característica importante para o processamento eficaz de informações e para a saúde mental.
Mecanismos
Embora o estudo tenha sido feito em roedores, os autores destacam que os mecanismos básicos de organização cerebral são conservados entre espécies. Estudos anteriores em humanos já haviam mostrado que o isolamento social pode afetar negativamente estruturas cerebrais e funções cognitivas — especialmente quando ocorre durante a infância ou adolescência.
"Modelos animais são essenciais para entendermos como fatores ambientais alteram o cérebro. Esses dados sugerem que ambientes sociais e fisicamente enriquecidos podem ter efeitos protetores contra distúrbios do neurodesenvolvimento, como autismo e TDAH, e até mesmo contra transtornos de humor", diz Seong-Gi Kim, coautor do estudo.
"O isolamento social impacta diretamente regiões como o hipocampo (relacionado à memória e ao aprendizado), o córtex pré-frontal (responsável por funções executivas como atenção, tomada de decisão e controle emocional) e a amígdala, que regula respostas emocionais", enumera Emily Pires, especialista em neurociência e diretora do centro de treinamento BrainEstar, em São Paulo. "A falta de conexão social leva a um estado de estresse crônico que afeta a neuroplasticidade e reduz o volume dessas áreas, comprometendo funções cognitivas importantes."
Segundo a especialista, crianças estão entre os grupos mais vulneráveis à experiência do isolamento. "Crianças e adolescentes merecem atenção, pois estão em fase de desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais fundamentais", explica. Porém, idosos e pessoas com histórico de depressão, ansiedade ou transtorno do déficit de atenção e hiperatividade também são prejudicados pela falta de contato social. "Essas pessoas tendem a ter redes neurais mais sensíveis ao estresse e à desconexão social, o que agrava quadros já existentes", diz Emily Pires.
Potencial expressivo
Os pesquisadores sul-coreanos também testaram o comportamento dos camundongos em situações que medem memória, dor, ansiedade, locomoção e preferência sensorial. Os animais do grupo enriquecido demonstraram maior interesse por estímulos visuais e melhor memória olfativa, enquanto os isolados apresentaram sinais de ansiedade e respostas exageradas a cheiros, mas com prejuízos na memória e menor interesse por estímulos visuais.
A análise das conexões cerebrais em repouso revelou outro dado: os camundongos isolados desenvolveram hiperconectividade entre diferentes áreas sensoriais, além de uma menor organização modular do cérebro. Isso significa que suas redes neurais estavam mais misturadas, com menos separação entre os sistemas de percepção — algo que pode comprometer a clareza e a precisão das respostas do organismo aos estímulos do ambiente.
Transtornos
Essa desorganização funcional, observada por meio de métricas como coeficiente de agrupamento e modularidade, também é encontrada em seres humanos com transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia ou transtornos do espectro autista, segundo estudos prévios. "Mais do que simplesmente detectar se o cérebro responde a um estímulo, queremos entender como as redes cerebrais cooperam ou se separam, e como isso influencia o comportamento e a saúde mental", explicam os autores, no artigo.
Segundo os pesquisadores, o estudo abre caminho para futuras estratégias terapêuticas. "A estimulação sensorial e social pode ser um recurso promissor para intervenções em distúrbios do desenvolvimento neurológico. Nossas descobertas sugerem que, mesmo em cérebros imaturos, há grande plasticidade e potencial de reorganização", concluem os pesquisadores.