
Por séculos, o Santo Sudário, também conhecido como mortalha de Turim, tem sido o centro de um dos mais fascinantes e controversos debates da história religiosa. Seria ele o verdadeiro pano que envolveu o corpo de Jesus Cristo após a crucificação ou uma complexa obra de arte medieval? Um novo estudo científico utilizando simulações 3D avançadas, feito pelo pesquisador e designer brasileiro Cicero Moraes, traz um novo capítulo à discussão, sugerindo que as marcas no tecido são mais compatíveis com uma pintura plana ou um baixo-relevo do que com a impressão direta de um corpo humano.
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A peça de linho, que exibe a imagem de um homem aparentemente ensanguentado, surgiu documentada pela primeira vez em 1354, na França. Rapidamente, conquistou fama e devoção como o autêntico sudário de Jesus, atraindo milhões de fiéis e peregrinos à Capela do Santo Sudário, em Turim, na Itália, onde está abrigado até hoje.
O mistério em torno do Sudário tem sido alvo de intensa investigação científica. Nas últimas décadas, diversos estudos trouxeram evidências que questionam a autenticidade da relíquia. No fim dos anos 1980, testes de radiocarbono realizados por três laboratórios independentes dataram o tecido entre 1260 e 1390 d.C., mais de mil anos após a época em que Jesus viveu.
Naquela ocasião, até mesmo o Arcebispo de Turim aceitou as conclusões, sugerindo que o sudário seria uma réplica. Análises mais recentes, publicadas em 2018, sobre respingos de sangue, indicaram uma distribuição "totalmente irrealista" para feridas genuínas. Outros exames notaram uma desproporção nos braços da figura impressa (um braço entre 7cm e 10cm mais longo que o outro), reforçando a ideia de que a imagem não seria de uma pessoa real.
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Embora um estudo de 2022, baseado em um único fio do sudário, tenha surpreendido ao sugerir uma datação entre 55 e 74 d.C. — o que se alinharia à cronologia de Jesus —, a pesquisa utilizou uma técnica controversa e partiu de suposições sobre o envelhecimento do tecido, como a degradação mais lenta a partir do século XIV devido às condições de armazenamento, o que poderia ter "enviesado" datações anteriores.
Já o estudo Image Formation on the Holy Shroud—A Digital 3D Approach, publicado nesta segunda-feira (30/7) no jornal Archaeometry e conduzido pelo pesquisador brasileiro, utilizou simulações 3D avançadas para investigar a natureza da imagem no Sudário. O objetivo principal foi determinar se a imagem poderia ser reproduzida a partir de um corpo humano ou de outra fonte, como um baixo-relevo. "O meu estudo respeita muito pessoas que são religiosas, pessoas que não são religiosas e tem um foco bem objetivo", descreve Cícero Moraes.
A metodologia empregou softwares livres e de código aberto como MakeHuman, Blender e CloudCompare, garantindo acessibilidade e replicabilidade. Cícero Moraes criou dois modelos digitais: um corpo humano tridimensional e um modelo em baixo-relevo. Um tecido digital, com as dimensões do Sudário (4,4m × 1,1m), foi simulado em contato com ambos os modelos para mapear e comparar os padrões de interação resultantes, focando nos padrões de contato e proximidade.
Com o corpo tridimensional, o tecido digital se deformou, resultando em uma imagem projetada com distorções visíveis, especialmente um alargamento das proporções do corpo, criando uma figura mais robusta do que a observada no Sudário. A área de contato efetiva entre o tecido e o corpo foi relativamente pequena, concentrada nos pontos anatômicos mais proeminentes. Este fenômeno é descrito como o "efeito Máscara de Agamenon".
No cenário com o modelo em baixo-relevo, o tecido conseguiu se adaptar de forma mais uniforme à superfície da matriz. O resultado foi uma projeção com proporções anatômicas mais precisas e visualmente semelhante à imagem observada no Sudário. Esta simulação apresentou uma área de contato maior e mais uniformemente distribuída.
As sobreposições visuais das texturas simuladas com a imagem do Sudário de Turim demonstraram que o padrão gerado pela matriz em baixo-relevo mostra um alinhamento morfológico muito superior em comparação com o corpo tridimensional. Regiões anatômicas como cabeça, tronco e membros superiores foram mais bem definidas e compatíveis em posição e forma.
A principal conclusão do estudo é clara: a imagem do Sudário é mais compatível com uma matriz de baixo-relevo do que com a impressão direta de um corpo humano real, mostrando menos distorção anatômica e maior fidelidade aos contornos observados. Os resultados reforçam a hipótese de que o Sudário pode ser uma representação artística, possivelmente criada durante o período medieval, alinhando-se com as práticas da arte funerária e as técnicas artísticas da época. Esta conclusão é consistente com a datação por carbono-14 da década de 1980, que situou a criação do Sudário entre 1260 e 1390 d.C., resultados que a Igreja Católica reconheceu oficialmente. "Minha opinião sobre o Sudário é que, sim, é uma obra de arte religiosa muito bem-sucedida no seu papel de passar uma informação sobre uma figura, no caso, Jesus, os seus sofrimentos e tocar o coração daqueles que testemunham da fé", completa Cícero.