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Lady Gaga: entenda as doenças que acometem a cantora

Artista norte-americana convive com lúpus, que altera o sistema imunológico, e fibromialgia, que afeta a percepção de dor, conforme explica médico reumatologista ao Correio

Lady Gaga tem lúpus e fibromialgia, doenças que, se não tratadas de forma correta, podem levar a perda da qualidade de vida -  (crédito: Reprodução / Instagram / Lady gaga)
Lady Gaga tem lúpus e fibromialgia, doenças que, se não tratadas de forma correta, podem levar a perda da qualidade de vida - (crédito: Reprodução / Instagram / Lady gaga)

A cantora norte-americana Lady Gaga, que se apresenta de forma gratuita em Copacabana, no Rio de Janeiro, no próximo dia 3 de maio, já cancelou um show no Brasil, em 2017, devido ao fato de “não estar bem o suficiente” por conta de uma das doenças que a acomete, a fibromialgia. Ao Correio, o médico reumatologista Rodrigo Aires Corrêa Lima, atual responsável técnico distrital de reumatologia na Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), explica a enfermidade que afeta cerca de 2% a 4% de brasileiros, bem como outra condição com a qual a artista convive, o lúpus. 

Lúpus: detalhes e cuidados

Lady Gaga revelou que foi diagnosticada com lúpus, doença autoimune reumática, em 2010. O especialista esclarece a enfermidade ocorre quando “o sistema imunológico do nosso organismo sofre uma alteração que pode inflamar vários órgãos, como pele e rins, e sistemas”.  

Em geral, segundo Aires, ela começa pela pele e pelas articulações, o que causa “o que a gente chama de uma vermelhidão, especialmente em áreas expostas ao Sol”. As inflamações também podem surgir em forma de inchaços em diversas áreas do corpo e, se não tratadas, podem chegar a coração, pulmões e membranas — o que causa dor e dificuldade para respirar, falta de ar e outros sintomas. 

Quando o lúpus atinge o rim, além do inchaço, o paciente pode observar a urina espumosa; e, quando chega ao sistema nervoso, pode causar, entre outros, convulsões, paralisia e confusão mental. 

À época em que revelou o diagnóstico, Lady Gaga contou, em entrevista, que não apresentava nenhum sintoma. Como pode atingir qualquer órgão ou sistema, Rodrigo explica que a enfermidade se manifesta de várias formas, inclusive com “sintomas inespecíficos” que, a menos que identificados por um médico reumatologista, não são necessariamente relacionados a ela.  

“Cada paciente tem uma doença muito particular”, afirma. “Pode ser que não tenha nenhum sintoma típico, mas que para o olho de um especialista chama a atenção.” 

Além disso, segundo ele, “é provável que 99% dos pacientes com lúpus tenham autoanticorpos, que às vezes podem estar presentes por anos antes de haver sintomas”. A partir de uma investigação clínica específica, portanto, é possível identificar a doença de forma prévia, devido a alguma suspeita identificada por médicos, que nem sempre é física. 

“Existem vários fatores, o genético é o mais óbvio deles”, afirma Aires. “É mais frequente em pessoas da mesma família, mas não necessariamente uma pessoa que tenha o lúpus na família tem a doença. A probabilidade maior, inclusive, é de que não tenha.”  

Outros fatores incluem o amadurecimento do sistema imunológico e uma tendência maior de leucócitos reativos. Além disso, vários — não apenas um, o que também dificulta a identificação da doença — genes que atuam na resposta imunológica, quando afetados, inclusive a partir de eventos externos e ambientais, podem influenciar na apresentação do lúpus. 

“A gente diz que é uma doença autoimune que é adquirida ao longo da vida”, esclarece. O paciente acaba tendo uma tendência e, quando um estímulo, pode ser poluição, estresse, cigarro, ele pode ativar essas células do sistema imunológico.” 

Embora não tenha cura, o lúpus tem um tratamento eficiente e muito positivo, especialmente se iniciado de forma precoce. “Quando tratamos essa doença, não estamos trocando nosso sistema imunológico, nem nossos órgãos”, explica Rodrigo. Apesar disso, tranquiliza o médico, é possível para o paciente levar uma vida normal, desde que condição esteja sob controle. 

“Hoje mais de 90% dos pacientes estão com sobrevida acima de dez anos”, informa. “Desde que a doença seja controlada, é possível trazer a qualidade de vida dos pacientes de volta e evitar riscos sérios. Pode levar vida normal, no caso de mulheres, ter gravidez, etc. 

Algumas poucas restrições dizem respeito à exposição solar prolongada, cujas deficiências decorrentes podem ser supridas por comprimidos. À medida que o paciente controla a doença e leve uma vida normal, porém, as restrições chegam inclusive a diminuir. 

“O objetivo é que se lembre menos da doença ou se esqueça dela na maior parte da vida”, diz o especialista. A lembrança persistente, segundo ele, somente aumentaria o estresse existente em qualquer diagnóstico, e pioraria ainda mais a condição. 

Apesar de a mensagem atual relativa ao lúpus, segundo Aires, ser de “otimismo, não de preocupação”, é preciso estar atento. O paciente que tenha a doença precisa consultar o mais rápido possível o especialista” — uma vez que, quanto mais rápido, mais eficiente será o tratamento. 

Fibromialgia e a percepção da dor

Diferentemente do lúpus, em que existe de fato uma inflamação em órgãos e tecidos, a fibromialgia, doença que causou o cancelamento do show de Lady Gaga no Brasil em 2017, trata-se do “aumento da percepção da dor”, de acordo com Lima. 

Na fibromialgia, um sistema responsável pela percepção da dor, que auxilia na defesa do corpo, funciona de maneira defeituosa. Ele manda para o cérebro informações de que vários pontos estão afetados.  

“É como se o sistema de alerta de dor do nosso corpo estivesse com defeito”, explica o reumatologista. “Pacientes sentem muita dor sem que se encontre destruição ou outra causa.” 

Essas dores “podem ser muito intensas e podem ter diversas características, desde queimação a inchaço, dor crônica a dor que migra de local. Por limitar os pacientes no que diz respeito a trabalho ou outras atividades diárias, a fibromialgia ainda “traz várias consequências psíquicas”, como ansiedade, e físicas, como tontura, oscilação de pressão e mal funcionamento do intestino. É como se o nosso corpo vivesse em um estado de estresse crônico. 

Essa condição, que fez com que a cantora norte-americana não estivesse bem para se apresentar na edição de 2017 do Rock in Rio, advém da diminuição de transmissores conhecidos como endorfinas. Esses transmissores, afirma Aires, “controlam o humor, mas também regulam a percepção da dor”.  

Por isso, quando ocorre a diminuição gradativa da produção de endorfinas, esse estado de dor é desbloqueado — uma vez que essas substâncias “atuam no nosso corpo e não deixam a gente sentir uma dor espontânea”. Como exemplo, o médico cita a adrenalina, que em funcionamento saudável permite que uma pessoa só perceba ferimentos sérios depois de sair de situações de estresse. “Quando está com defeito, ao contrário, desbloqueia e aumenta a sensação de dor no corpo.” 

Condições como ansiedade são alguns dos fatores que ajudam a diminuir as endorfinas — e que também ampliam a dor do paciente, uma vez que o levam à preocupação. 

O tratamento, portanto, consiste em estimular o corpo a produzir essas substâncias, que não podem ser obtidas por via oral; e trabalhar a saúde mental. Mudança de estilo de vida para controle do estresse, como higiene do sono e prática de atividades físicas, fazem parte da rotina do paciente de fibromialgia, pois estimulam a produção de endorfinas. 

Dessa forma, os remédios usados para tratar a doença não são aqueles mais conhecidos para dor, como analgésicos ou anti-inflamatórios, “mas aqueles da linha de antidepressivos, justamente porque eles têm a capacidade de produzir essas endorfinas”, conforme explica Rodrigo. 

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Apesar disso, nenhum dos tratamentos tem uma eficácia de 100% e nem atuam de forma rápida. “Diferentemente da dor habitual, que toma remédio e passa, a dor da fibromialgia passa apenas de 20% a 30% e os remédios demoram a agir.” 

Além dos remédios, são importantes atividades que estimulem a produção de endorfinas, mas com o devido acompanhamento. Embora atividades físicas, por exemplo, sejam ótimas aliadas, o paciente de fibromialgia tem mais intolerância e dificuldade para praticá-las por conta da dor. “Ele vai se sentir pior se forem feitas de forma rápida, tem de ser gradual, assim como os medicamentos, que são introduzidos gradualmente, indica o especialista. “Começa devagar em doses tanto de remédio, quanto de atividades não medicamentosas.” 

Com o tempo, são analisados elementos biopsicossociais que interferem no nível de ansiedade, a fim de tentar melhorá-los para que se lide melhor com conflitos. “Algumas terapias podem ajudar a lidar melhor ou compreender que situações da vida aumentam o estresse e a dor, para que o paciente não fique com pensamentos ruminantes que aumentam a percepção negativa da dor e de outros sintomas que acompanham a doença”, orienta. 

Doenças predominantemente femininas

Assim como o lúpus, a fibromialgia é mais comum em mulheres e também tem um componente genético: “Se um parente de primeiro grau, geralmente mãe, tem, há três a cinco vezes mais chances de a filha desenvolver”. 

Às vezes, como no caso de Lady Gaga, o lúpus é associado à fibromialgia, “o que obviamente amplifica as dores”. Por isso, é importante ter os dois diagnósticos bem esclarecidos, a fim de que os tratamentos não sejam confundidos nem interfiram um no outro. “Um visa o tratamento do sistema imunológico, e outro a percepção da dor”, diferencia Aires.  

Devido ao lúpus, o paciente pode ter lesão de órgãos e sistemas que, associados à fibromialgia, podem ter um impacto muito negativo. As dores que podem advir do lúpus podem ser muito mais difíceis de controlar se a fibromialgia não for tratada. Da mesma forma, se não for tratado o lúpus, as consequências de lesões aumentam e agravam a percepção de dor provocada pela fibromialgia. 

A associação entre doenças autoimunes, como o lúpus, com a fibromialgia, acontece com certa frequência, segundo Rodrigo, mas o inverso não é verdadeiro. “A maioria das pessoas que têm fibromialgia, têm apenas a fibromialgia”, esclarece. “A dor crônica não predispõe automaticamente uma doença autoimune.” 

Estudos estipulam que cerca de 1 mulher a cada 1.700 — ou seja, menos de 0,1% — tenha o lúpus no Brasil. Apesar disso, ela é a doença que mais causa internação nos sistemas hospitalares público e privado no país.  

A fibromialgia é mais frequente, conforme aponta o reumatologista. 2 a 4% da população brasileira, principalmente mulheres, é acometida pela enfermidade, que, se não tratada, pode causar muito sofrimento e perda de qualidade de vida. 

postado em 27/04/2025 00:22
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