TRÂNSITO

Para ninguém esquecer: onde morrem as vítimas do trânsito no DF

Na terceira parte da série Para ninguém esquecer, o Correio mapeou as vias com maior índice de mortalidade. Especialistas apontam para projetos viários defasados e falta de sinalização. Órgãos de trânsito, por outro lado, citam a implementação de novas passarelas e a duplicação de pistas

Jhonny Silva e Yara Ribeiro perderam o filho, Matheus, em um acidente na BR-080 -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Jhonny Silva e Yara Ribeiro perderam o filho, Matheus, em um acidente na BR-080 - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Depois que ele morreu, perdi o gosto pelas coisas. É um vazio no coração, pois tiraram meu bem mais precioso, o meu filho." O desabafo é de Yara Ribeiro Lázaro, 48 anos, mãe de Matheus Lázaro, morto aos 18, no km 3 da BR-080, conhecida como "rodovia da morte". O motociclista retornava para casa, em Padre Bernardo (GO), quando foi surpreendido por uma motorista que, ao fazer uma conversão errada, colidiu lateralmente e em cheio com a moto do jovem, em Brazlândia. Ele sofreu hemorragia interna e quebrou a perna direita. A condutora fugiu sem prestar socorro. 

Leia as demais reportagens da série Para ninguém esquecer:

A tragédia ocorreu em fevereiro de 2017. De lá para cá, a cada 54 dias, em média, uma pessoa morreu na BR-080. E a cada quatro dias, ao menos uma ficou ferida no trânsito, conforme levantamento feito com exclusividade pelo Correio, como parte da série de reportagens Para ninguém esquecer. No caso mais recente, em 12 de julho, uma batida frontal entre dois veículos, no trecho do Povoado da Vendinha e Brazlândia, matou dois homens. Com o impacto, os carros pegaram fogo. Um dos ocupantes foi encontrado carbonizado. 

 27/06/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Memórias de luto e dor de familias que perderam entes queridos no trânsito de Brasília e entorno. Local BR 080
Para mostrar o perigo, Jhonny e Yara, que perderam o filho, Matheus, em um acidente no km 3 da BR-080, colocaram uma cruz no local (foto: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Quando a reportagem visitou o local onde Matheus perdeu a vida — e onde a família colocou uma cruz em homenagem ao filho — a rodovia estava em obras de duplicação, medida considerada essencial por especialistas para reduzir o número de ocorrência. A entrega está prevista para setembro de 2026. No entanto, até lá, quem passa pela estrada todos os dias precisa lidar com a falta de iluminação e a sinalização insuficiente, com placas caídas e pintura desbotada no asfalto. "Essa BR-080 já fez com que muitas vidas ficassem no meio da estrada", lamentou a mãe de Matheus. 

A demora para que o jovem fosse socorrido contribuiu para o óbito, acredita a família. "O que mais me entristeceu foi ela (a condutora do outro veículo) não ter prestado socorro. Quem ligou para os bombeiros foi um motorista que passava pela via e o viu ferido. Creio que Matheus ainda estaria vivo se tivesse sido levado prontamente ao hospital", lamentou o pai, Jhonny Eterno Lázaro, 54. O rapaz ficou internado cinco dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não resistiu. 

Segurança viária

No Distrito Federal, algumas vias urbanas, rodovias distritais e federais se destacam pelos "trechos da morte". O Correio se debruçou sobre os gráficos do Departamento de Trânsito (Detran-DF), Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) e da Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF-DF) para traçar os endereços onde o luto e deixou suas marcas na última década (veja infográfico). Nem sempre estradas com o maior número absoluto de óbitos são as mais perigosas, visto que a extensão da pista também interfere nessa média.

Entre as vias urbanas, as Avenidas Hélio Prates, que atravessa Taguatinga e Ceilândia; Elmo Serejo, também em Taguatinga; e W3 Norte foram as que mais registraram sinistros fatais nos últimos 10 anos. As principais vítimas foram pedestres. Em 2024, obras na Hélio Prates levaram a reclamações constantes de moradores e transeuntes, devido ao asfalto esburacado, aos desníveis, à falta de calçadas e de sinalização e aos congestionamentos.

CID-Acidentes Rodovias DF
CID-Acidentes Rodovias DF (foto: Valdo Virgo)

Além disso, as imprudências na via que atravessa Taguatinga e Ceilândia corroboram para a vulnerabilidade de pedestres. De janeiro a maio deste ano, o Detran registrou 2.060 infrações de trânsito no local. Entre elas, 12 condutores que não pararam na faixa de pedestres, 44 não habilitados, 52 alcoolizados, 291 por usarem o celular ao volante e 367 por não coloocarem o cinto de segurança.

Segundo o gerente da Escola Pública de Trânsito do Detran, Marcelo Granja, o departamento tem intensificado ações em áreas como engenharia, fiscalização e, principalmente, educação, além da implantação de travessias e faixas em locais com maior número de atropelamentos. "As atividades educativas, realizadas em escolas, e abordagens nas vias com campanhas e ações de conscientização, têm como foco principal a sensibilização dos condutores", explica. 

"Cheio de sonhos"

Jhonny e Yara, pais do motociclista Matheus Lázaro, entraram na Justiça contra a motorista que não prestou socorro. A mulher foi condenada a pagar uma indenização por danos morais e materiais a cada um. "Nada traz ele de volta, mas há pessoas que, se não mexer na parte do bolso, voltam a fazer o mesmo depois. Poder entender o que de fato aconteceu naquele dia com meu filho apaziguou um pouco a minha cabeça", conta o pai da vítima. 

Filho caçula, Matheus era atleta e praticava capoeira e futebol. Músico profissional, também tocava na igreja. "Tínhamos uma amizade para além da relação entre pai e filho. Ele era um menino trabalhador, cheio de sonhos. Dizia que queria ser policial", compartilha Jhonny. A família vendeu a antiga casa e doou algumas roupas do jovem. "Tudo lá lembrava ele. Das coisas, vamos desapegando aos poucos, entregando para quem precisa", diz Yara. 

Intervenções prioritárias

Jorge Tiago Bastos, membro do Conselho do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) e professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que pistas com grandes números de sinistros de trânsito fatais apresentam padrões em suas características: falta de sinalização, projetos viários defasados ou fiscalização insuficiente. "Nas rodovias, os pontos críticos são trechos urbanos, onde há muitas travessias de pedestres e motociclistas, em especial, cruzamentos", avalia. Nesses locais, a velocidade é o principal fator de risco nesses locais

Falta de investimentos, descontinuidade de políticas e resistência a mudanças técnicas são, para o professor, fatores que explicam a permanência de problemas no trânsito. "Medidas relacionadas à infraestrutura de transportes, como duplicação de rodovias, levam tempo para serem concluídas; é algo que atravessa gestões. Então, via de regra, são implementadas ações de curto prazo, como melhoria na sinalização; algo que, em pouco tempo, precisará ser renovado", diz. 

A DF-075, também chamada Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), é a rodovia distrital que apresenta o maior índice de mortalidade proporcional à sua extensão. As principais vítimas foram pedestres, seguido de motociclistas. Segundo o DER, a via conta com três passarelas em funcionamento e mais duas estão com licitação prevista para este ano, próximas ao Setor Placa da Mercedes.

O diretor de fiscalização e segurança no trânsito do DER, Sinomar Ribeiro do Espírito Santo, acrescenta que, mesmo com a instalação de passarelas, muitos pedestres optam por atravessar pelas pistas, "caminhos mais curtos e rápidos". Questionado sobre a sensação de insegurança daqueles que precisam cruzar esses trechos, o profissional reforça que "a PM (Polícia Militar do DF) foi acionada para colocar câmeras nesses locais e tem feito rondas constantes para solucionar problemas de segurança". 

"Para garantir a segurança dos pedestres, foram instalados gradis de metal visando impedir travessias perigosas, principalmente nos pontos com passarelas. As estruturas metálicas foram instaladas em locais estratégicos, na altura do Riacho Fundo, próximo ao viaduto e na altura do Núcleo Bandeirante, logo abaixo da passarela", acrescenta o diretor de fiscalização. Uma ciclovia, que vai ligar o Pistão Sul à Candangolândia, está em construção. 

David Duarte Lima, presidente do Instituto de Segurança no Trânsito (IST), avalia que também é necessário investir em campanhas educativas e propagandas. "Essas campanhas têm que focar em mudar o comportamento das pessoas, como as propagandas de cigarro fizeram. Antigamente, fumar era considerado elegante e bonito. Com as propagandas foi introduzido o alerta que cigarro dá câncer, fede e faz mal à saúde de forma geral", analisa.

Neste domingo (3/8), o Correio vai mostrar as possíveis soluções que podem ser implementadas para reduzir o número de sinistros de trânsito.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

postado em 02/08/2025 05:00 / atualizado em 02/08/2025 08:30
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