UNIVERSO DIGITAL

De 'flopou' a 'pode pá': a linguagem da internet e o choque geracional

Na conversa entre gerações em tempos de cultura digital com transformações aceleradas, a comunicação pode ter ruídos. Especialistas mostram caminhos para se reconectar

 Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor
 -  (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB)
Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor - (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB)

"Flopou", "cringe", "berro". Se você entendeu tudo isso de primeira, provavelmente é da geração Z ou está ativo no universo digital. Se você ficou perdido, não está sozinho. O dicionário da internet muda na velocidade de um story, e quem não acompanha pode se sentir fora da conversa, ou até mesmo da realidade.

Por trás das gírias e expressões que viralizam nas redes, existe algo muito maior: a forma como a linguagem digital cria laços, mas também barreiras. Uma mistura de pertencimento, exclusão e ruído na comunicação entre gerações que, apesar de falarem a mesma língua, parecem muitas vezes não se entender.

Língua da internet

A internet virou um terreno fértil para a criação de palavras, expressões e formatos que só fazem sentido para quem vive nesse ecossistema. "POV", "cancelado", "habla mesmo" são códigos de grupo, e como todo código, ele inclui, mas também exclui quem não o decifra.

O sociólogo e cientista político Rócio Barreto explica que isso não é algo novo. "Esse é um traço existente na experiência humana desde que o mundo é mundo. Esse distanciamento sempre existiu. Só que, hoje, ele é mais rápido, mais visível, mais simbólico, devido à aceleração da tecnologia, devido à comunicação ser mais instantânea", afirma o sociólogo.

Barreto ressalta que essas novas formas de linguagem da internet são ferramentas culturais para fazer parte de um determinado grupo e se sentir aceito. E, apesar dessas diferenças geracionais parecerem teóricas, a prática mostra que elas impactam a comunicação do dia a dia. A reportagem conversou com um grupo de adolescentes que revela como esse distanciamento acontece dentro da própria casa.

Gabriela Oliveira, 15, diz que qualquer abreviação ou gíria que usa nas conversas com a família não é bem recebida. Já Liz Pessoa, 15, lembra de quando o avô perguntou o que era "cringe" e ela teve dificuldade em explicar. "Tive que abrir uma matéria de jornal para explicar e ele entender o que significa uma situação "cringe". 

A mineira Maria Flor Santos, 15, conta que vive a exclusão digital de forma diferente. Sem redes sociais, ela sente dificuldade para acompanhar conversas baseadas em memes, gírias ou abreviações. "Pdp" (pode pá) ou "pprt" (papo reto) em conversas do WhatsApp. "É estranho estar por fora, mas minhas amigas explicam".

Quando questionadas sobre o que fazem quando se deparam com uma pessoa que não entende uma determinada gíria ou expressão, elas desabafam. "Muitas vezes, é difícil de explicar conceitos da internet, e ficamos sem paciência".  

Já Márcia Helena, 56, mãe de duas mulheres de 20 e 25 anos, sente na pele o impacto geracional. "Com as minhas filhas, isso acontece o tempo todo. Lembro-me da primeira vez que ouvi as palavras 'crush' e 'selfie'' Fiquei pensando: 'O que é isso? O que essas meninas estão falando?'. Quando perguntei, elas caíram na risada."

Essa diferença geracional, que muitas vezes se manifesta como uma barreira, é inevitável. Segundo Stella Avelino, professora de língua portuguesa do Colégio Marista, a visão de mundo das novas gerações traz muitas perspectivas diferentes e isso, com certeza, impacta a linguagem. "Estrangeirismos, gírias oriundas do contexto digital e diferentes flexões de gênero evidenciam que a forma de estar e viver em sociedade impactam também a língua".

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Emojis e urgência

Mensagens que podem ser respondidas horas depois, emojis que valem por frases inteiras e silêncios que não significam exatamente uma ausência. De acordo com Rachel Ribeiro, psicóloga, a comunicação mudou não só na forma, mas também no ritmo. Antes, era tudo ao vivo. Agora, a conversa acontece no tempo de cada um. 

"Os nossos avós e pais estavam muito habituados com a comunicação síncrona no aqui e no agora, e quando eles mandam mensagens pelos aplicativos, eles têm a expectativa de que a resposta venha imediatamente, o que não acontece. Os millenials e as gerações Z, alfa, por exemplo, estão mais habituados a saber que provavelmente aquela resposta não virá imediatamente. E isso pode até ser um fator de geração de ansiedade nas pessoas", ressalta.

Os emojis também são uma questão para cada geração. Para alguns, um simples emoji de "foguinho" pode significar tanto que uma pessoa "arrasou" ou que há uma atração no ar. Mas também pode ser só… um foguinho. Diante da situação, a psicóloga sinaliza que as pessoas devem ser mais claras na comunicação. "Quando você for se comunicar, principalmente com pessoas que não estão na sua faixa etária, seja claro. Se você sabe que utilizando um tipo de imagem ela não tem um significado claro literal, seja intencional na sua comunicação", recomenda.

Solução

Segundo a professora Stella Avelino, a solução não está em forçar as gerações mais velhas a adotarem as gírias ou expressões da moda, mas, sim, em buscar aproximação a partir das tecnologias e interesses comuns.

"Quando ficamos mais atentos aos temas e interesses das novas gerações, consequentemente conseguimos nos integrar melhor e engajar conversas com esse público". Ela conta que, em sala de aula, busca ter o que conversar com os estudantes, para além dos conteúdos didáticos. "Muitas vezes isso, cria a ponte para uma boa relação aluno-professor", conta.

Na mesma linha, a psicóloga Rachel Ribeiro defende que melhorar a comunicação intergeracional exige algo simples: a disponibilidade. "Mais do que impor a minha forma de falar ou esperar que o outro entenda minhas referências, é preciso estar aberto a me comunicar de uma forma que o outro consiga realmente compreender", afirma Rachel.

Glossário

Flopou: fracassou, deu errado, não teve sucesso.

Cringe: vergonhoso, constrangedor, brega.

Berro: algo tão engraçado, absurdo ou inesperado que só resta gritar (de rir ou de choque).

Story: publicação rápida e temporária nas redes sociais, visível por 24h.

POV (do inglês, point of view): "ponto de vista", geralmente é usado em vídeos que simulam uma situação pela perspectiva de alguém.

Cancelado: quando alguém é "boicotado" na internet por alguma atitude polêmica ou inadequada.

Habla mesmo: expressão usada para endossar ou incentivar alguém a falar verdades, sem medo.

Pdp (pode pá): é uma forma de concordar com algo, tipo um "sim", "é isso aí".

Pprt (papo reto): falar a verdade, ser direto, sem enrolação.

Crush: paquera, pessoa por quem você tem um interesse romântico.

Selfie: foto tirada por você mesmo, normalmente com o celular.

Emoji de foguinho: pode significar que algo ou alguém está bonito, sensual ou até que "mandou bem".

  •  As estudantes Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor numa conversa animada
    As estudantes Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor numa conversa animada Foto: Minervino Júnior/CB
  •  06/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Expressões e gírias que os jovens usam para se comunicar atualmente.Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor.
    06/06/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Expressões e gírias que os jovens usam para se comunicar atualmente.Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor. Foto: Minervino Júnior/CB
  • As adolescentes Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor Santos contam as gírias que os jovens utilizam para se comunicar por mensagem. "Pprt" (papo reto) e ''pdp'' (pode pá) são algumas delas.
    As adolescentes Heloisa Oliveira, Gabriela Oliveira, Liz Pessoa e Maria Flor Santos contam as gírias que os jovens utilizam para se comunicar por mensagem. "Pprt" (papo reto) e ''pdp'' (pode pá) são algumas delas. Foto: Minervino Júnior/CB
postado em 15/06/2025 06:01
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