TRÂNSITO

51 pessoas morreram no DF em acidentes de trânsito de janeiro a 15 de abril

Especialistas alertam que é preciso conscientização e respeito às normas. Entre as principais infrações de condutores, estão excesso de velocidade, uso de celular ao volante e consumo de bebida alcooólica antes de dirigir

51 pessoas morreram em acidentes de trânsito de janeiro a 15 de abril, no DF -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
51 pessoas morreram em acidentes de trânsito de janeiro a 15 de abril, no DF - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

"Toda noite, antes de dormir, oramos juntos. As crianças, que estão aprendendo a lidar com essa perda, mandam beijos para ela e pedem proteção. Não houve despedida. Quis poupá-los de ver a mãe em um caixão." O relato é de Gleidson da Silva, 40 anos, marido de Maria Núbia dos Santos, 46, motociclista atropelada e morta por um motorista alcoolizado no Noroeste, em 15 de abril. A diarista, que morava em Águas Lindas, no Entorno do DF, e estava a caminho do trabalho quando foi morta, entrou na triste estatística que contabilizou oito mortes no trânsito do Distrito Federal em menos de uma semana, entre 11 e 15 de abril.

PRI-2804-MORTES_TRANSITO
PRI-2804-MORTES_TRANSITO (foto: Maurenilson Freire)

Dessas vítimas, quatro eram motociclistas, dois eram pedestres e dois, ocupantes de veículos. Segundo o diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Departamento de Trânsito (Detran-DF), Glauber Peixoto, o número é, de fato, expressivo para um intervalo de tempo tão curto. De acordo com a autarquia, de janeiro a 15 de abril, 51 pessoas perderam a vida no trânsito da capital.

"As circunstâncias (dos sinistros) serão avaliadas. Com isso, o Detran vai traçar estratégias para combater as mortes no trânsito, por meio de trabalhos de engenharia de trânsito, educação ou fiscalização", afirma Peixoto. Apesar de a Polícia Civil investigar e determinar, por meio de perícia, as causas de todos os acidentes fatais no DF, o Detran não tem um banco de dados com os resultados dessas investigações — indicando se houve excesso de velocidade ou alcoometria, por exemplo. "Por serem estudos aprofundados são, normalmente, realizados por outras instituições, de caráter nacional, como a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet)", explica o diretor. 

Essas informações, segundo especialistas, são fundamentais para direcionar políticas eficazes de combate e prevenção de sinistros diários. "Conhecendo a causa do acidente, é possível desenvolver campanhas efetivas de prevenção. Por exemplo, sabendo onde há mais ocorrências de excesso de velocidade, conseguimos investigar se existe a interferência de problemas como geometria da via ou falta de sinalização", avalia o professor, engenheiro civil e mestre em transportes urbanos pela Universidade de Brasília (UnB), Pastor Willy Taco. 

Covardia

Maria Núbia saía de casa às 4h20, de segunda a sexta-feira, para chegar ao serviço. O trajeto feito de moto facilitava o percurso, poupando-a dos desafios diários típicos do transporte público. "Mesmo com uma rotina puxada, ela estava sempre animada, não tinha 'tempo ruim'. Além de mulher trabalhadora, era uma mãe e esposa maravilhosa", declara Gleidson, que agora conta com a ajuda da mãe e da irmã para cuidar dos dois filhos — uma menina de 8 anos e um menino de 10. 

Maria Núbia dos Santos, 46, motociclista atropelada e morta por um motorista alcoolizado no Noroeste em 15 de abril.
Maria Núbia dos Santos, 46, motociclista atropelada e morta por um motorista alcoolizado (foto: Fotos: Arquivo Pessoal)

Cinco dias após atropelar e matar a diarista, o motorista se entregou, acompanhado de advogados, a 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte). Ele dirigia um GWM Haval quando colidiu com a moto da vítima, atropelando-a. Câmeras de segurança registraram o momento em que ele desceu do carro, mas não prestou socorro à mulher e fugiu. Segundo a investigação, ele havia ingerido bebida alcoólica. 

"Esse foi o pior dia da minha vida. Imagine a dor de dizer aos filhos que a mãe deles morreu dessa forma. Nossa menina chegou a vomitar de tanto nervosismo diante da situação. O que me deixou mais arrasado foi assistir às filmagens do crime e saber que ele a olhou como se ela não fosse nada", relata Gleidson, companheiro de Núbia, como a chamava. 

Infrações 

Em 2024,  229 pessoas perderam a vida no trânsito do DF, aproximadamente três mortes por semana. Para o professor e doutor em transportes Artur Morais, a maioria dos acidentes fatais são causados pela má conduta dos motoristas. Entre as principais infrações, estão o excesso de velocidade, uso de celular ao volante, consumo de bebida alcooólica antes de dirigir, ultrapassagem em local perigoso ou proibido, ultrapassagem de sinal vermelho e desrespeito à faixa de pedestre.

"O que vemos muito em Brasília é que, quando amarela o semáforo, em vez de a pessoa reduzir para parar, ela acelera para passar. Essa atitude pode causar acidentes sérios. Amarelou, reduza a velocidade, não se arrisque. E, sendo o motorista o principal responsável pelos sinistros, pode ele ser também a solução. Basta respeitar o Código de Trânsito", destaca Morais. 

Depois do pedestre, o motociclista é a vítima de trânsito com mais mortes registradas, 82 e 74 óbitos em 2024, respectivamente, segundo as estatísticas do Detran. "Falta respeito do motorista para com o motociclista, mais vulnerável do que quem está no carro. Conforme dita o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o maior, no caso, o motorista, deve cuidar dos menores, pedestres, ciclistas e condutores de motos", completa o professor. 

Também doutora em transportes, a professora da UnB Zuleide Feitosa acrescenta que os motociclistas precisam ter a habilitação autorizada. "Muitos (motociclistas) não passaram pela escola de formação e não têm consciência dos riscos que matam. De forma geral, uma cidade só se torna autossustentável quando a sua mobilidade é inteligente o suficiente para incluir os menores. Todos nós temos direito à mobilidade. Além disso, as condições do ambiente, como a falta de iluminação, as vias esburacadas e a ausência de sinalização adequada contribuem para a ocorrência de sinistros fatais", detalha. 

Saudade

Com a aliança no dedo, a estudante Aisla Soares, 18, sofre com a perda trágica do noivo, Victor de Aquino Costa, 18, atropelado quando pedalava no Km 29 da BR-020, há três meses. O jovem estava a caminho de uma clínica odontológica quando um motorista colidiu contra a bicicleta dele. O teste do bafômetro indicou a presença de 0,51 mg/l de álcool no organismo do condutor, quase nove vezes acima do limite permitido. 

Victor de Aquino Costa, 18, ciclista atropelado enquanto pedalava no KM 29 da BR-020, há  três meses.
Victor de Aquino Costa, 18, ciclista atropelado enquanto pedalava no Km 29 da BR-020 (foto: Arquivo Pessoal)

"Nos conhecemos por meio de um amigo em comum no ano passado, começamos a namorar e, três meses depois, na noite de réveillon, ele me pediu em casamento. Estávamos nos planejando para comprar os primeiros móveis da nossa casa", conta a jovem. Do que mais Aisla sente falta, é do jeito divertido de Victor. "Ao lado dele, eu me sentia acolhida. Nos completávamos. Sinto que uma parte de mim se foi", lamenta. 

Quem também chora a perda de Victor é Kátia de Aquino, 52, tia do jovem, que diz ter entrado em depressão após a tragédia. "Ele teve uma vida tão sofrida, passou por tantas dificuldades. Quando as coisas estavam começando a se ajeitar, acontece isso. Meu sobrinho era um menino bom, não merecia partir dessa forma", destaca a ex-cabeleireira. "Perder alguém por uma doença é difícil, claro, mas perder inesperadamente é cruel", completa. 

O motorista responde por homicídio culposo na direção de veículo, crime qualificado pela influência de álcool. A pena pode chegar a oito anos de reclusão, além da proibição de dirigir, mas o condutor foi solto, dois dias depois do atropelamento, após pagar fiança de R$ 1 mil. Para a família de Victor, fica o sentimento de impunidade. "Quem dirige alcoolizado não imagina o estrago que pode causar a uma família", diz Kátia. "A vida do meu noivo não vale R$ 1 mil", acrescenta Aisla. 

A neuropsicóloga e especialista em psicologia do trânsito Daniella Frade enfatiza que as mortes no trânsito podem causar um impacto emocional perturbador. "É algo pelo qual não estamos preparados. A morte instantânea causa um impacto tão forte a ponto de levar à paralisação da vida. Por isso, é tão comum que familiares de vítimas que morreram no trânsito entrem em depressão", diz a especialista.

Campanhas de consicentização

Para mitigar o número de acidentes, estabelecer a educação e medidas de prevenção em relação a infrações e sinistros de trânsito, o Detran promove campanhas de conscientização, ações de fiscalização e melhoria na sinalização. De acordo com o diretor do Detran, Glauber Peixoto, o órgão revitalizou toda sinalização viária, incluindo a pintura nas vias, colocação de placa e sinalização horizontal para a passagem de carros. 

Em relação a ações de fiscalização, ainda segundo ele, o Detran elabora estratégias mapeando áreas de risco, colocando viaturas em pontos estratégicos para que as pessoas sejam mais prudentes e cumpram as normas. Em locais onde há trafego de carros, a presença da viatura já coíbe a imprudência e as infrações. 

O Detran promove campanhas educativas para conscientizar o motorista sobre as principais infrações que causam acidentes. Entre elas, estão o Café na Faixa, para orientar motoristas e pedestres sobre prática seguras a travessia; o Rolê Consciente, direcionado aos frequentadores de bares, alertando sobre os riscos da mistura de álcool e direção; o Pneu Seguro, que aborda a importância da manutenção adequada dos pneus; e o Bike em Dia, para orientar os ciclistas e garantir a segurança deles em vias públicas.

Preservação da vida

Por Pastor Willy González Taco, mestre em transportes urbanos pela UnB

No dia a dia, o respeito no trânsito tem que ser parte de uma cultura de preservação da vida. A geometria da via, por exemplo, é um fator que precisa de atenção, visto que, em algumas regiões da capital, há retornos que são praticamente motivadores de sinistros. É nesse ponto que entra a engenharia, fundamental para diminuir a periculosidade e trazer uma via mais segura.

Além disso, os veículos que temos em Brasília, em maioria novos e de grande porte, condicionam as pessoas a dirigirem de uma forma mais agressiva, como se estivessem ostentando certo poder dentro da via e se impondo a outro veículo que não tenha tais características.

Por fim, para evitar sinistros de trânsito, é preciso investimentos em campanhas educativas e fiscalização, ações que devem ser permanentes e em todos os níveis, nas universidades, nas escolas e nos centros de trabalho.

*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho

 

postado em 27/04/2025 05:00
x