
A importância do Sínodo, processo de escuta e discernimento coletivo que visa repensar e revitalizar o papel da Igreja Católica no mundo contemporâneo, foi tema do CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília. Aos jornalistas Denise Rothenburg e Carlos Alexandre de Souza, o padre Miguel Martins, superior dos jesuítas e coordenador do Núcleo Apostólico da Região Brasilia/Goiânia, comentou sobre a escolha do novo pontífice e a atenção do papa para com os mais necessitados.
O papa escolheu a Santa Maria Maggiore para seu enterro, uma vez que há três séculos que isso não acontecia. Por que que ele foi para o centro de Roma e não ficou no Vaticano?
A escolha dele pela Basílica de Santa Maria Maior como local de sepultamento, em vez da tradicional Basílica de São Pedro, diz muito sobre quem ele é. Francisco sempre mostrou uma espiritualidade voltada para a simplicidade, para o povo e para os mais pobres. Ele tem uma forte devoção à Nossa Senhora, e Santa Maria Maior representa essa ligação íntima com Maria e com a fé popular. Essa escolha reflete o desejo de estar próximo do povo mesmo depois da morte, sem pompas ou títulos, apenas com o nome na lápide.
O senhor pode detalhar um pouco como foi o Sínodo e quais as transformações que deixou?
O Sínodo ainda está em curso e representa muito bem o estilo de governo do papa Francisco. Ele foi criado pelo papa Paulo VI como um encontro de bispos para discutir temas importantes para a missão da Igreja. Mas o papa Francisco, desde o início do seu pontificado, promoveu mudanças significativas na forma como o Sínodo é conduzido. Até o penúltimo Sínodo, a participação ativa era restrita a bispos. Francisco propôs uma dinâmica diferente: queria ouvir vozes diversas — mulheres, leigos, religiosos e religiosas da Igreja Católica e de outras igrejas — para garantir uma escuta mais ampla. Essa escuta começou em outubro de 2021, com cada diocese realizando consultas entre os fiéis. O material coletado foi enviado à Secretaria-Geral do Sínodo e, em seguida, passou para uma fase continental, onde igrejas de diferentes regiões se reuniram para discutir e aprofundar as contribuições locais. Participei da etapa continental realizada em março de 2023, em Brasília, com cerca de 300 representantes de cinco países do Cone Sul. Essa abertura do Sínodo à participação ampla dos fiéis é uma grande inovação trazida por Francisco e representa uma transformação significativa na forma como a Igreja escuta e caminha com o povo.O Sínodo é, se a gente pode dizer assim, a coisa mais concreta, organizada, orgânica e bem delineada que o papa Francisco deixa para a Igreja. Aliás, ele deixa um legado imenso.
O Sínodo vai se manter independentemente de quem seja o próximo papa?
Eu tenho convicção disso. O Sínodo é um legado. Internamente, é o maior legado. Mas, como tudo que o papa faz, não é só internamente. Sempre está aberto ao mundo e ao diálogo — inclusive o Sínodo. Nós tínhamos lá, nas duas sessões, além dos religiosos da Igreja Católica Apostólica Romana do rito latino, delegados de outras igrejas: da confissão luterana, da igreja anglicana, da igreja batista, de vários movimentos.
Qual é a sua expectativa para esse conclave?
O Colégio Cardinalício está bem diversificado. O papa Francisco também inovou nesse sentido, porque criou cardeais de vários continentes, culturas diferentes, igrejas que estavam um pouco na periferia. Ele nomeia esses cardeais. Então, primeiro, os cardeais precisam se conhecer melhor. Isso acontece nas reuniões preparatórias — as congregações gerais —, que já estão acontecendo. É o momento em que os cardeais começam a se conhecer mais. Os cardeais que estão em Roma ou que vão muito a Roma, que têm algum tipo de encargo ou função, já se conhecem mais. Mas os cardeais que estão em suas igrejas locais, nas suas dioceses, precisam se dar a conhecer. Este primeiro momento é muito importante.
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Qual é o momento que o senhor acha que os católicos deveriam prestar mais atenção no enterro?
Tem um momento muito especial também que, imagino que até por determinação de Francisco, haverá um grupo de pobres e vulneráveis na igreja de Santa Maria Maggiore. O papa Francisco sempre foi muito próximo dos pobres. O próprio Vaticano, com essa sensibilidade, convida muitas pessoas em situação de rua, vulneráveis, pobres, humildes. Elas vão ficar na escadaria. Esse momento vai ser muito importante, porque ali estarão pessoas que representam aquela parcela da população que foi preferencialmente acolhida pelo papa Francisco. Eu colocaria como a principal marca do papa Francisco a inclusão dos mais pobres.
*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso
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