Xenofobia

Não-pertecimento e xenofobia: os relatos de imigrantes brasileiros em Portugal

Brasileiros compõem a maior comunidade estrangeira em terras portuguesas, porém ainda enfrentam o preconceito no cotidiano

Brasileiros compõem o maior grupo de imigrantes em terras portuguesas, com cerca de 500 mil pessoas, segundo o Itamaraty -  (crédito: Marcos Oliveira/Senado Federal)
Brasileiros compõem o maior grupo de imigrantes em terras portuguesas, com cerca de 500 mil pessoas, segundo o Itamaraty - (crédito: Marcos Oliveira/Senado Federal)

Na última semana, um vídeo em que um português oferece recompensas para quem trouxer “cabeças de brasileiros” viralizou nas redes sociais. O caso é um exemplo da xenofobia que imigrantes do Brasil encontram em Portugal. Ao falar com essas pessoas, o Correio constatou que casos semelhantes se multiplicam no cotidiano de brasileiros que imigraram ao país europeu.

O homem que aparece no vídeo, identificado como João Paulo Silva Oliveira, foi preso na última segunda-feira (8/10). No vídeo, ele aparece oferecendo 500 euros por cada cabeça levada até ele. “Estejam legais ou ilegais, cada cabeça que trouxer, cortada rente ao pescoço, eu pago 500 euros por cabeça”, declara enquanto agita notas de dinheiro para a câmera. 

De acordo com a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, casos assim vêm aumentando no país: em 2021, foram registradas 109 queixas de xenofobia contra brasileiros em Portugal, uma alta de 142% se comparado com 2018, quando houveram 45 denúncias.

Os brasileiros compõem o maior grupo de imigrantes em terras portuguesas, com cerca de 500 mil pessoas, segundo o Itamaraty. Mesmo assim, relatos apontam que a percepção da xenofobia — ou seja, o preconceito com pessoas estrangeiras — vêm aumentando na comunidade.

A reportagem reuniu relatos de brasileiros que vivem em Portugal para ouvir as histórias de quem convive de perto com a sensação de não-pertencimento em terras estrangeiras, além da percepção frente à tantos exemplos de xenofobia explícita contra imigrantes em Portugal. 

O Correio entrou em contato com a embaixada brasileira em Lisboa, mas até o momento não obteve um posicionamento sobre o caso. Em caso de resposta, a matéria será atualizada. 

Preconceito nos mínimos detalhes

A produtora musical Luísa Barbosa vê ligações entre os recentes casos de xenofobia e a popularidade do partido português Chega (partido de direita anti-imigração). "Esse caso (do vídeo com ameaças a brasileiros) eu vejo como consequência de ideologias e partidos extremistas como o Chega, que dá voz e poder ao racismo e a xenofobia, ao ponto deles não terem vergonha dessas atitudes", aponta.

Há quatro anos em Portugal, Luísa afirma que o preconceito contra imigrantes está presente inclusive em atitudes menos explícitas. Segundo a produtora, comentários como "Apesar de ser brasileiro, é um bom filme” ou “É tão educada que nem parece brasileira” são constantes. "Por incrível que pareça, nenhuma dessas pessoas que fizeram esses comentários perceberam a tamanha falta de respeito nessas falas, de tão comum que isso se tornou", diz.

Medo e preocupação

João Pedro Toti vive há três anos em terras portuguesas e relata sentir medo com a onda anti imigração na Europa. "Nos últimos meses, cada vez mais vejo casos de xenofobia acontecendo, principalmente depois das eleições em que o Chega recebeu muitos votos", declara.

João, que atua como contador em Portugal, afirma que já foi alvo de comentários de ódio. "Estava treinando aulas de direção com um amigo e um português, super impaciente, começou a discutir e a gritar 'volta pra sua terra'", lembra.

Falta de políticas públicas

A jornalista e doutoranda Marianna França explica que, apesar do sentimento crescente contrário à presença de imigrantes no país, Portugal precisa de pessoas de fora para ocupar cargos de trabalho. "É um país que precisa da imigração por ter baixa densidade demográfica. Lisboa tem muita gente, mas o interior não é muito povoado, há muitas casas abandonadas", afirma. 

No entanto, ela observa que o país não oferece condições adequadas para receber essas pessoas. "O governo anterior incentivava os imigrantes a virem para cá, mas não fizeram política pública de inserção". 

Questionada se presenciou algum caso de xenofobia, Marianna relembra um caso de quando necessitou ir ao hospital. "Durante a pandemia, tive muitas crises asmáticas e fui ao Hospital Universitário. Além de pedir para renovar os remédios, eu pedi um comprovante de que eu tinha ido me consultar", relata. "A pessoa que me atendeu se recusou a me dar o atestado por alegar que eu só estava fazendo aquilo para matar aula. Ele disse: ‘Você deveria me agradecer, porque os cabo-verdianos não têm tantas regalias como vocês’".

Uma questão de classe e trabalho

Para Bruno de Castro, assistente de cozinha, a raiz do preconceito é histórica. "No mercado de trabalho, é como se ainda fosse uma lógica colonial", aponta. "Isso não é só com brasileiros. Também acontece com angolanos, cabo-verdianos, indianos e nepaleses. Principalmente, porque somos a maioria da classe trabalhadora aqui".

Trabalhando em um restaurante em Portugal há cinco anos, Bruno observa que os cargos dedicados à serviços, como motoristas de aplicativos e construção civil, são, em maioria, ocupados por imigrantes de países como Brasil e Índia. 

Ele também afirma que o mesmo tratamento não se estende a estrangeiros de países europeus. "Pessoas de países como a Ucrânia e a França, não são vistos como imigrantes aqui. A condição de imigrante está muito associada à condição de trabalho e posição social", detalha.

postado em 17/09/2025 14:58
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